Esta é a segunda gestão consecutiva do médico Alberto Chebabo na presidência da Sociedade Brasileira de Infectologia. Ele também é o diretor do Hospital Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a mesma instituição em que se formou na década de 1980.
“Durante todo o curso, confesso, não tinha nenhuma especialidade em mente. Até porque a pessoa que havia me inspirado a fazer Medicina era um médico clínico dos antigos. E era isso o que eu queria, algo que se assemelharia ao que hoje é a Medicina de Família, enquanto todos os meus colegas desejavam ser especialistas”, relembra.
No último ano de internato, porém, o jovem começou a ter aulas de Infectologia. E vamos ter em mente que, nos anos 1980, algumas doenças eram tão assustadoras quanto fascinantes: a pandemia de Aids explodia, os casos de meningite andavam em impressionante alta, até doentes com tétano eram frequentes no hospital universitário.
“Muitos doentes infectados entravam no ambulatório entre a vida e a morte e saíam de lá, continuando a viver. E, como sempre gostei de paciente grave e queria atuar em centro de tratamento intensivo, a CTI, entendi que havia ali um desafio”, conta o doutor Chebabo. “Sem contar que, na área da infectologia, surgiam diversos novos conhecimentos. Tudo fervilhava.”
Atualmente, porém, acredita que, entre seus maiores desafios na SBI, está atrair jovens como ele, naqueles tempos, para se tornarem infectologistas. “A remuneração mais baixa que a de um cirurgião para o tamanho da responsabilidade que temos no controle de infecção de um hospital, por exemplo, é algo que afasta os recém-formados”, observa. “Além disso, todos os especialistas acham que podem tratar uma amigdalite, extrapolando essa crença para infecções mais sérias. E o que a gente vê, muitas vezes, é o manejo inadequado, com o paciente piorando ou desenvolvendo resistência bacteriana a antibióticos”, afirma.
Na entrevista para a jornalista Lúcia Helena de Oliveira, o assunto foi outro: as razões pelas quais pessoas com excesso de peso podem ter quadros infecciosos mais graves. Ela faz parte da série de conversas com líderes de especialidades para a campanha #vamosfalarsobreobesidade, da Abeso, da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia) e da World Obesity Federation.
A obesidade favorece o agravamento de infecções. Por quê?
ALBERTO CHEBABO — A inflamação subclínica desencadeada pela obesidade leva a uma menor resposta imune e deixa a pessoa, em algum grau, mais vulnerável a bactérias, vírus, fungos, o que for. É como se o excesso de adiposidade fizesse algo parecido com o que ocorre na imunossenescência: as células de defesa deixam de responder adequadamente, aumentando o risco para os mais diversos quadros infecciosos. Se junta com o diabetes, que é outra doença muito associada à obesidade, isso fica ainda mais evidente. As duas patologias — diabetes e obesidade — afetam a resposta imune, até mesmo a das vacinas, que pode não ser tão boa quanto a de uma pessoa da mesma idade, mas sem obesidade. Isso já foi observado nas imunizações contra o tétano e a hepatite B, por exemplo.
O assunto obesidade deveria, então, ser abordado pelo infectologista ao explicar determinado quadro ao paciente ou aos seus familiares?
ALBERTO CHEBABO — O infectologista precisa, sim, falar sobre obesidade. E, mais, tem aí uma oportunidade de explicar que ela é uma doença. Uma doença que causa outras doenças e que favorece o avanço de infecções. Quando a pessoa se recupera, é importante que o infectologista deixe isso muito claro, orientando-a a buscar ajuda para controlar o seu peso e para adotar hábitos mais saudáveis de alimentação para não levar outros sustos no futuro. Até porque a ameaça não existe apenas quando esse indivíduo com obesidade pega uma gripe na rua — e, diga-se, a infecção pelo influenza tende a ser bem mais grave em pessoas acima do peso. A ameaça de que estamos falando existe e aumenta toda vez em que esse sujeito precisa ser internado por uma razão qualquer, possibilidade de que ninguém está livre.
Como assim?
ALBERTO CHEBABO — Imagine alguém que sofreu um grande trauma em um acidente de carro, por exemplo. Se essa pessoa tem obesidade, o risco de acabar com uma infecção contraída por meio de um acesso e de outros procedimentos hospitalares é maior, mesmo quando tomamos todo o cuidado. Nós, infectologistas que atuamos em hospital, já ficamos de olhos bem abertos quando chega esse paciente.
Se ele é internado por causa alguma infecção pode ser ainda pior?
Em tese, sim. Se ele pega uma infecção respiratória grave, aí pode ser um pesadelo, como ao que assistimos no auge da covid-19. Ora, as equipes na linha de frente precisavam fazer manobras de pronação com esse paciente hospitalizado, movimentá-lo no leito e colocá-lo em ducúbito para favorecer a ventilação e evitar o acúmulo de secreções que provocariam ou agravariam pneumonias, inclusive por agentes oportunistas. Mas mudar uma pessoa com obesidade de posição é uma tarefa das mais difíceis. Serão necessárias mais pessoas da equipe para dar conta. Será que consegue pensar na pandemia, quando tínhamos vários pacientes com obesidade ao mesmo tempo em unidades de terapia intensiva e faltavam braços para movimentá-los direito? O doente, imobilizado no leito, desenvolve escaras com maior facilidade. E essas escaras evoluem mais depressa por causa da resposta imune mais baixa. Por aí vai. Estou cansado de ver pacientes com obesidade em situações assim até por falta de estrutura hospitalar.
O que diria sobre essa falta de estrutura hospitalar para atender a pessoa com obesidade?
O nosso serviço, o Hospital Clementino Fraga Filho, é referência em cirurgia bariátrica. Então, não tem a mesma dificuldade que a imensa maioria dos hospitais. que não conta com equipamentos capazes de atender o paciente com obesidade grau 3. Existem aparelhos de ressonância magnética em que esses indivíduos simplesmente não conseguem entrar. A maca não anda. Hoje, já temos tomógrafos com macas que conseguem suportar um corpo com mais de 200 quilos, mas não são todas. Estou falando de exames de imagem para ilustrar, mas o mesmo raciocínio vale para maca comum, leito adequado, balanças mais apropriadas, poltronas largas que aguentem a carga e, muitas vezes, até portas mais largas. Sem contar equipamentos que são feito gruas para erguer esse indivíduo com segurança e movimentá-lo no leito, como é necessário.
O senhor toca em um ponto importante. O crescimento da obesidade no país não deveria ser acompanhado pelo crescimento desse tipo de estrutura?
Sim, mas não é fácil. Esses equipamentos têm um custo alto e, no final, o gestor acaba optando por equipamentos que são mais usados no dia a dia por falta de verba. Deveria haver política pública para isso. Até porque a obesidade, por falta de acesso a alimentos in natura e mais saudáveis e a medicamentos modernos para tratá-la, cresce com voracidade especialmente nas classes econômicas menos favorecidas e que dependem do serviço público, onde toda essa estrutura é ainda mais rara. Da mesma forma, penso que os pacientes com obesidade mais grave e seus familiares deveriam ser informados que, em caso de uma emergência, o ideal seria encaminhá-los para hospitais que sejam centros de referência em cirurgia bariátrica, onde certamente há melhores condições na linha de cuidado para o caso específico. *