A maioria dos americanos acima de 50 anos costumava cozinhar suas refeições. Antes da covid-19, metade deles colocava suas habilidades culinárias em ação na hora do jantar seis ou sete vezes por semana. Apenas 5% tinham o hábito de usar apps para pedir comida, segundo uma pesquisa feita em todos os Estados Unidos, coordenada pela Universidade de Michigan. Mas, claro, o confinamento para evitar o novo coronavírus mudou o cardápio do dia a dia.
Antes da pandemia, aqueles que preparavam o jantar quase todas as noites avaliavam a sua dieta como “muito boa” ou “excelente”. No entanto, procuradas recentemente, as pessoas em pleno confinamento afirmaram que já não se alimentam de maneira tão equilibrada.
Ao menos, foi essa a resposta de um em cada quatro entrevistados que disseram estar isolados sozinhos ou que, mesmo acompanhados em casa, têm feito as refeições sem mais ninguém à mesa. E 11% relataram que estão pedindo para entregarem fast-food três vezes por semana ou mais, o que pode aumentar demais o risco de ganho de peso.
Vale refletir sobre esses achados. Afinal, o que acontece lá, de alguma maneira, pode se repetir em outros lugares, inclusive no Brasil.
De onde vêm os dados
O Institute for Healthcare Policy da Universidade de Michigan já vinha realizando, meses antes de a pandemia explodir, uma pesquisa nacional envolvendo 2.048 adultos entre 50 e 80 anos de idade de diversas regões do país. O objetivo era entender os seus hábitos de compras de alimentos, como preparavam as refeições e, claro, o que efetivamente entrava no cardápio semanal.
Especialista em políticas públicas na área da saúde e integrante do time que realizou essa pesquisa nacional, Julia Wolfson conta que ela e seus colegas acharam, então, que tinham dados interessantes para fazer uma comparação entre o que acontecia antes da covid-19 e seu impacto na alimentação desses indivíduos.
“As medidas para conter a transmissão do novo coronavírus impactaram e, com certeza, continuarão impactando a forma, inclusive, como as pessoas compram alimentos. E, pelo visto, as pessoas precisarão de algum suporte ou acompanhamento para continuarem tendo hábitos saudáveis. Muitos dos bons hábitos talvez tenham se perdido nesse período”, diz.
Jantar fora
Cerca de metade dos entrevistados tinham o hábito de jantar fora uma vez por semana na primeira entrevista, aquela feita antes da pandemia. Com os restaurantes fechados, claro, isso não foi mais possível. Mas, talvez em parte pela falta que sentem se sair para comer em algum lugar, muitos indivíduos começaram a pedir comida desses restaurantes a que costumam ir, só que com uma frequência duas ou três vezes maior.
Chama a atenção dos pesquisadores que nem sempre os pratos pedidos pelos aplicativos são aqueles que eram considerados os seus prediletos nesses lugares. Isso porque alguns estabelecimentos, nesse período, oferecem menos opções. “E, infelizmente, as versões reduzidas de cardápio muitas vezes privilegiam preparações mais rápidas, mais calóricas e menos equilibradas”, informa Julia Wolfson.
Na opinião dela, assim como as pessoas colaboram com os restaurantes que sempre frequentaram fazendo pedidos de refeições durante a pandemia, esses estabelecimentos poderiam na contrapartida selecionar as receitas mais saudáveis e incentivar que a dieta de sua clientela não desande.
O peso da crise econômica
A insegurança em relação aos rendimentos e o medo do desemprego durante ou após a pandemia também encurta o orçamento na hora das compras — especialmente entre aqueles que não estão pedindo tanta refeição por aplicativo.
Ou seja, os que se mantém firmes cozinhando em casa nem sempre estão mantendo a qualidade da dieta, ao contrário do que a gente tende a imaginar à primeira vista. Isso porque essas pessoas vêm prestigiando alimentos mais em conta que, nas gôndolas americanas em especial, tendem a ser menos nutritivos.
E como será depois?
Os pesquisadores de Michigan apontam que, mesmo que os números da pandemia diminuam, ainda passaremos por um longo período em que a população mais velha terá de ficar mais isolada e tomando cuidando redobrado para não pegar a covid-19. Fato: a doença não desaparecerá por encanto e essas pessoas são grupo de risco.
Por isso, entre julho e agosto, devem ser feitas novas entrevistas com os participantes para ver se, ao menos no que diz respeito à alimentação, alguma coisa dará sinais de voltar a ser como antes. “Só aí teremos uma noção mais clara se as mudanças no comportamento alimentar de indivíduos acima de 50 anos foram temporárias, como uma quarentena, ou se parte delas veio para ficar”, diz Julia Wolfson.
Quem quiser ter acesso completo aos achados pode acessar o relatório em
http://www.healthyagingpoll.org.