Uma paixão despertou logo na infância da paleontóloga Dimila Mothé, vendo a mãe costureira exercer o seu ofício. “Eu desenhava roupas e pedia para ela fazê-las para mim ou para as minhas bonecas”, diz, voltando aos tempos de menina, sempre observadora dos segredos maternos para a modelagem das peças.
“A moda, desde sempre, foi a maneira que encontrei para me expressar”, revela a carioca de 32 anos. Mas, provando algumas de suas criações na infância, ela diz que aos poucos foi se percebendo, em suas palavras, como uma “criança grande”.
“Não apenas porque era gorda”, justifica. “Eu também era a mais alta da turma, sempre vestindo números maiores do que o das minhas colegas. E isso, sem dúvida, foi afetando minha autoimagem.”
Na adolescência, as modelos magérrimas nas passarelas e nas capas das revistas de moda fizeram Dimila sentir-se excluída do universo que amava.
“Naquela época, se me falassem que eu também me tornaria modelo um dia, não acreditaria”, admite. “Afinal, as dicas das matérias sobre moda eram sobre o que meninas acima do peso, como eu, tinham de fazer para esconder a barriga, deixar o corpo mais alongado e disfarçar suas formas como um todo. Aliás, é incalculável o tanto de experiências que fiz e de saúde mental que prejudiquei tentando ‘disfarçar’ o meu corpo.”
Dimila chama a atenção que isso aconteceu com ela que, reconhece, não chegou a enfrentar situações e problemas sociais ainda mais sérios por nunca ter alcançado um grau de obesidade mais elevado, capaz de fazer levar a desafios até em termos de acessibilidade a serviços básicos, o que é lamentável.
Segunda carreira
A mulher belíssima é a prova de que não dá para reduzir um ser humano em uma forma — e, no seu caso, nem sequer em uma carreira.
Na ciência da Paleontologia, ela é uma cientista das mais respeitadas, especializada no período geológico conhecido por Quaternário, iniciado há incríveis 2,6 milhões de anos, pelo Museu Nacional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Fez doutorado na Universidade da Flórida e lecionou na Universidade Federal do Paraná, na Universidade Federal de Pernambuco e na Unirio, para contar só o mínimo do seu currículo — este, sim, da pesada.
Mas, sem aceitar qualquer rótulo nem padrão imposto, a cientista também é uma profissional requisita na Ford Models, uma das mais renomadas agências de modelos do mundo, no segmento conhecido como “curve” — ele é crescente e conecta homens e mulheres cujos corpos foram por décadas deixados à margem da moda e dos editoriais de beleza.
Como modelo curve, Dimila já foi a imagem estampada em campanhas de marcas famosas, como Natura e Claro.
“Mais do que nunca imaginar que eu me tornaria modelo, nunca pensei que teria a autoestima, o amor próprio, a consciência que tenho hoje”, conta. “ Posso usar uma blusa curta ou uma roupa que marca a barriga e não se sentir a mulher mais estranha do mundo.”
“A indústria da moda caminha a pessoas lentos”
Esta é a opinião da cientista modelo, apesar de notar avanços nesse mercado. “Falo de um lugar de privilégio porque, como citei anteriormente, sou considerada uma ‘gorda pequena’. Mas já passei, mais de uma vez, por situações nas quais os contratantes pediam para eu levar minhas próprias roupas para a sessão de fotos porque não tinham peças do meu tamanho e nem se incomodaram em buscar”, relata.
A moda, na avaliação de Dimila, reflete uma gordofobia enraizada na sociedade há muito tempo. “E, como ela tem uma força, qualquer um está sujeito a ficar doente, inclusive pessoas magras”, afirma.
Hoje observa que moda e julgamento muitas vezes andam juntos — e não só em relação ao peso. Mas, no caso da obesidade, seria mais fácil apontar o dedo porque ela é uma condição completamente à vista — vista, por sua vez, condicionada a associar o belo a um determinado padrão que exclui a possibilidade de curvas.
“Se veem uma barriga que dobra, já pressupõem que é de alguém preguiçoso, sedentário, que descuida da saúde”, lamenta. Para mostrar aos outros que não é assim, a pessoa com obesidade — pelo olhar de Dimila — está frequentemente buscando algo em si que precisa ser modificado.
“Padrões de beleza escravizam a gente, dizendo que não dá para sermos felizes com o corpo que temos”, ela diria, se fosse para resumir sua percepção em uma frase. E, olhando bem, Dimila tem razão: esse conceito é que já deveria ter caído de moda.