07 de março de 2023
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CACÁ FERREIRA E BRUNO HALPERN: Academias deveriam acolher mais quem tem obesidade

Ainda ontem, publicamos a trajetória da atleta capixaba de crossfit Júlia Sipolatti, abrindo a série “Um outro olhar para a obesidade”. E cada história será sempre acompanhada por uma segunda parte: uma entrevista com um especialista respeitado no tema abordado pela personagem e um comentário do endocrinologista Bruno Halpern, presidente da Abeso.

Para falar de situações como as que a crossfiteira Júlia vivenciou e como o setor de esporte e fitness poderia contribuir positivamente, entrevistamos  Cacá Ferreira.

Profissional de Educação Física reconhecido por seus pares pela extrema competência, ele é o gerente técnico corporativo de uma das maiores redes de academias do país, a Cia Athletica.

Fundada em São Paulo em 1985, a Cia Athletica tem mais de 35 mil alunos espalhados em 17 unidades pelo Brasil,  que por sua vez são distribuídas em treze cidades diferentes — entre elas, além da capital paulista onde a rede surgiu, Manaus, Belém, Recife, Curitiba, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte e Porto Alegre.

Ferreira garante que, em todas elas, há uma preocupação cada vez maior em melhorar o acesso de pessoas com obesidade — preocupação que, pelo seu olhar, deveria estar presente em todos os locais dedicados à prática de exercício físico. Confira , a seguir, a entrevista.

Abeso — Você sente que as academias de ginástica ainda são um ambiente inóspito para pessoas que ouviram diversas vezes que seus corpos estavam fora do padrão?

Cacá Ferreira — Sem dúvida, essa impressão ainda acontece.  E  infelizmente ela pode ser real em alguns lugares. Mas, muitas vezes, as pessoas com obesidade nem estão sendo discriminadas naquele determinado momento, só que suas experiências passadas são tão fortes e marcadas por preconceitos relacionados à imagem que fazem com que os locais destinados à prática de atividade física lhes pareçam menos receptivos do que são na realidade.

Abeso Qual o cuidado que um profissional de Educação Física que atua em academias precisaria ter diante de pessoas com obesidade?

Cacá Ferreira — O primeiro deles é o conhecimento sobre cada pessoa que está buscando a sua orientação. Há doenças crônicas que são invisíveis, como o diabetes e a hipertensão. Já a obesidade você consegue ver, por assim dizer. E isso pode ser enganoso porque não podemos atender alguém com base simplesmente em uma imagem e no conceito que um dia formamos sobre ela. Para começo de conversa, precisamos conscientizar os professores de Educação Física que atuam em academias que nem toda pessoa com obesidade é sedentária. Algumas, aliás, já vêm com bastante experiência em treinar.  Uma boa anamnese é mais do que nunca fundamental. Por meio dela, entendemos a relação daquele indivíduo com a atividade física, as condições clínicas que eventualmente ele tem, as suas preferências e os seus objetivos, sem tirar deduções precipitadas.

Abeso — E o papel  dos professores na motivação?

Cacá Ferreira — Um contato verdadeiramente próximo é fundamental para manter o aluno motivado, não importa o seu peso. Como exemplo, temos um ótimo case de um professor que percebeu que um aluno com obesidade observava em um canto meio isolado a sala onde aconteceria uma aula coletiva. Ele então se aproximou e, depois de um bate-papo, se comprometeu a adaptar os exercícios daquela aula. Isso foi feito e serviu de incentivo para aquele começar a participar de uma atividade pela qual já tinha interesse, mas sentia receio.

Abeso — As academias deveriam oferecer treinamentos específicos para os seus professores sobre obesidade?

Cacá Ferreira — Posso falar pela Cia Athletica, que acredito ser um bom modelo. Aqui, os profissionais de Educação Física participam de palestras para entender o que é a obesidade e também de sessões específicas para que saibam como acolher a pessoa que está acima do peso com respeito, capacitando-os a adaptar os treinos, quando isso se faz necessário. Também é importante que eles aprendam a notar quando os alunos com obesidade precisam de um acompanhamento individual, o que pode acontecer em um caso ou outro.

Abeso — Na sua opinião, uma academia de ginástica pode contratar professores com obesidade?

Cacá Ferreira — Evidentemente, a resposta é sim. Veja bem, as contratações devem ser baseadas nas qualidades técnicas do profissional e essas qualidades e competências não têm a ver com o seu IMC. Temos vários professores com obesidade que se mostraram profissionais exímios em nossos testes de avaliação. Em processos de seleção e no dia a dia das aulas, descobrimos muitos talentos com corpos de diferentes formas em absolutamente todas as nossas treze unidades. E eu espero que essa experiência possa servir de exemplo para outros estabelecimentos sérios, voltados à saúde e à prática de exercícios físicos.

Abeso — Apesar de todo esse esforço, como avalia o acolhimento de pessoas com obesidade em academias nos dias atuais? Mudou muito em relação ao que era?

Cacá Ferreira — Eu tenho 24 anos de experiência e posso garantir que vi uma evolução, ainda que seja um progresso um tanto acanhado, nas academias espalhadas pelo Brasil — nas nossas, inclusive. Atualmente, encontramos mais  pessoas com obesidade treinando e sendo bem atendidas pelos professores enquanto praticam seus exercícios. No passado, isso era bem mas raro. Mas, apesar dessa mudança, sinto que temos um caminho pela frente e falar sobre obesidade pode favorecer o seu percurso. 

O OLHAR DE BRUNO HALPERN SOBRE O TEMA

“ É muito comum um profissional de saúde, ao receber alguém com obesidade em seu consultório, já assumir que ele é um sedentário. Vai mandando o paciente fazer um exercício e nem pergunta se ele já tem o costume de treinar. Existe uma ideia implícita de que, se a pessoa está acima do peso, ela é sedentária, o que é uma bobagem.

O exemplo da atleta de crossfit Júlia Sipolatti fala um pouco disso. Ela pode eventualmente ter maior dificuldade para perder peso do que outras pessoas. Mas o fato de ser fisicamente ativa melhora muito a sua saúde. 

Aliás, há estudos mostrando isso: pessoas com obesidade que fazem exercício físico podem ter riscos em relação à saúde até menores do que o de indivíduos com peso mais baixo, mas que são sedentários. Este é um outro jeito de olhar.

Há outro ponto importante nessa história. Diante de alguém com obesidade, todo mundo fala que é preciso fazer exercício. No entanto, isso traz à tona um conflito, porque muitas vezes essa pessoa não se sente bem em ambientes como o de uma academia ou em situações, como a de jogos universitários — algo que Júlia relatou muito bem. Ali, acha que está sendo olhada ou julgada.

Há espaços fantásticos e, acima de tudo, vamos reconhecer que existem profissionais de Educação Física excelentes. No entanto, devemos pensar em como melhorar ainda mais  a sua formação— e não só a deles, claro — para que todos desenvolvam uma linguagem mais acolhedora, afastando aquelas ideias de ‘basta ter foco, fé, vai que você consegue’. 

Afinal, ideias assim muitas vezes fazem quem ainda não está apto a determinado treino se sentir diminuído, afastando-se do exercício e da busca por saúde, independentemente de emagrecer ou não.

Também é importante que os professores recebam treinamento sobre o que é a obesidade e quais seriam os treinos mais adequados para iniciantes com essa condição para que não sobrecarreguem articulações e tudo mais.

Preparar as academias para que atendam bem esses alunos me parece fundamental. Até porque 60% dos brasileiros estão acima do peso — 20% têm obesidade. Portanto, considerando que todo mundo deveria praticar exercício físico, mais de metade dos frequentadores desses espaços deveriam estar acima do peso. E , no entanto, não é o que costumamos observar.”

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