03 de julho de 2018
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Obesidade: muito além das calorias

Durante décadas, o equilíbrio energético foi tido como a principal medida para prevenção e tratamento da obesidade. Em outras palavras, dietas ricas em açúcar ou outros carboidratos processados ​​não ofereceriam efeitos adversos especiais sobre o metabolismo ou a composição corporal se o consumo total de calorias estivesse adequado.

No entanto, mesmo com as orientações para a redução da ingestão de calorias e aumento do gasto calórico, por meio da prática de atividade física regular, as taxas de obesidade permanecem aumentando, com grandes implicações para o bem-estar, expectativa de vida e custos de saúde.

Diante desta dificuldade em combater a obesidade e incapacidade de fornecer uma explicação satisfatória para a epidemia que segue se alastrando, o prof. David S. Ludwig, da The New Balance Foundation Obesity Prevention Center, Boston Children’s Hospital e Harvard Medical School, em Boston, Massachusetts, nos Estados Unidos, desenvolveu o estudo The Carbohydrate-Insulin Model of Obesity – Beyond “Calories In, Calories Out”.

Segundo o pesquisador, com a perda de peso, a fome aumenta previsivelmente e o gasto de energia diminui. Estas adaptações fisiológicas tendem a trazer de volta os quilos perdidos.

 

Restrição calórica e composição da dieta

Apesar das intensas pesquisas em obesidade, a epidemia segue incompreendida sob diversos aspectos. As dietas convencionais, com restrição calórica, por sua vez, seguem perdendo a eficácia em longo prazo.

De acordo com o modelo carboidrato-insulina (CIM) da obesidade, o aumento no consumo de carboidratos processados, com alto índice glicêmico, pode levar a mudanças hormonais que promovem a deposição de calorias no tecido adiposo, exacerbam a fome e diminuem o gasto de energia.

Pesquisas realizadas com modelos animais revelam que a composição da dieta tem ocasionado alterações no metabolismo e na composição corporal, independentemente da ingestão de calorias.

Metanálises de estudos comportamentais relatam maior perda de peso diante de carga glicêmica reduzida, quando comparada a dietas pobres em gordura. No entanto, esses estudos comumente sofrem com a baixa adesão em longo prazo.

Estudos mais longos tendem a mostrar vantagens metabólicas para dietas de baixa carga glicêmica versus baixa em gorduras. Além do tipo e quantidade de carboidratos consumidos, é preciso entender os níveis de exposição dietética e não-dietética que podem alterar os hormônios, o metabolismo e a biologia dos adipócitos de maneira a predispor à obesidade. Na ausência de estudos definitivos, os princípios de uma dieta com baixa carga glicêmica oferecem uma alternativa prática ao foco convencional na restrição dietética de gordura e calorias.

 

Comer demais leva à obesidade?

Aumentar intencionalmente o consumo de calorias resulta em ganho de peso. Porém, em longo prazo, o corpo responde dinamicamente à superalimentação, com aumento do gasto de energia e diminuição da fome.

Estes mecanismos fisiológicos são opostos à subalimentação e resistem ao ganho de peso contínuo. Nos estudos clássicos de superalimentação, voluntários relataram sentir-se desconfortáveis ​​e com dificuldade de adesão. Quando o protocolo termina, o peso corporal retorna espontaneamente para a linha de base ou próximo dela.

Pesquisas em animais e humanos confirmam que fatores biológicos limitam o ganho excessivo de peso, assim como acontece com a perda de peso. Segundo o modelo CIM, uma dieta com alto índice glicêmico é capaz de alterar esses mecanismos homeostáticos, deslocando o peso corporal defendido para cima.

 

A dieta rica em carboidratos

Nos Estados Unidos, o consumo absoluto de proteína e gordura manteve-se muito parecido desde a década de 1970, enquanto a ingestão de carboidratos, principalmente aqueles originários de grãos refinados, derivados de batata e alimentos açucarados, aumentou significativamente, resultando em crescimento no consumo total de calorias e na proporção de calorias de carboidratos. Há cerca de 15 anos, as três principais fontes alimentares de energia para adultos nos Estados Unidos são pães, bolos, biscoitos, massas e bebidas açucaradas.

No entanto, os dados epidemiológicos internacionais nem sempre mostram um paralelo tão claro entre índice glicêmico e prevalência de obesidade. Historicamente, as sociedades agrícolas asiáticas permaneciam magras em dietas à base de arroz branco, embora essas populações normalmente apresentassem altos níveis de atividade física e experimentassem limitações sazonais na disponibilidade de alimentos. Como os níveis de atividade física diminuíram com a urbanização, as taxas de obesidade e diabetes aumentaram rapidamente.

Na Austrália, o índice glicêmico declinou moderadamente desde 1995, apesar dos aumentos contínuos na prevalência da obesidade. Talvez haja um limiar acima do qual o índice glicêmico permanece suficientemente alto para promover o ganho de peso contínuo, ou há, ainda, outros fatores predominantes nesse estágio da epidemia.

 

Genética e peso corporal

É importante destacar que a variabilidade genética em uma população, fatores perinatais, estado de saúde, entre outras questões, podem afetar o modo como um indivíduo responde à uma dieta específica. O CIM prevê que pessoas com uma resposta alta à carboidratos ganharão mais peso em uma dieta rica com alto índice glicêmico, enquanto aquelas com baixa resposta podem ter um desempenho relativamente bom em uma dieta com baixo teor de gordura.

Naturalmente, nenhum fator dietético pode explicar completamente as variações no peso corporal entre indivíduos e populações. Além disso, muitos hormônios e o microbioma intestinal podem afetar a composição corporal.

O CIM concentra-se em carboidratos de alto teor glicêmico, porque provocam maior resposta calórica do que outras categorias de alimentos. No entanto, outros aspectos da dieta, como a quantidade e tipo de proteína, perfil de ácidos graxos ou micronutrientes, assim como sono, estresse e atividade física, podem afetar a secreção de insulina ou adipócitos.

 

Conclusões

O aumento do IMC médio em todo o mundo ​​sugere que fatores ambientais têm sido capazes de alterar os sistemas fisiológicos que defendem o peso corporal. Afinal, o ganho de peso inexorável não é uma consequência inevitável do excesso de calorias, como demonstrado por muitos exemplos históricos. Entre eles, os Estados Unidos, a Europa Ocidental e o Japão do final da Segunda Guerra Mundial até pelo menos a década de 1970.

Dietas de composições variadas, além do conteúdo calórico, têm efeitos variados sobre os hormônios, vias metabólicas, expressão gênica e microbioma intestinal de maneiras que poderiam influenciar o armazenamento de gordura.

Pesquisas ainda são necessárias para contribuir com este debate, que está em andamento há pelo menos um século. Diante do enorme e crescente aumento das doenças relacionadas à obesidade, estes temas devem ser priorizados.

Em 1941, o renomado especialista em obesidade Julius Bauer descreveu um componente-chave do CIM: “A teoria energética atual da obesidade, que considera apenas um desequilíbrio entre a ingestão de alimentos e o gasto de energia, é insatisfatória…. Um aumento do apetite, com um desequilíbrio subsequente entre a ingestão e a produção de energia, é a consequência do tecido adiposo, e não da obesidade”.

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