24 de março de 2024
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LUIZ OTÁVIO TORRES: “Ajudaríamos mais na prevenção da obesidade se o adolescente fosse ao urologista”

Desde 2003, quando liderou o Departamento de Andrologia da SBU (Sociedade Brasileira de Urologia), o médico Luiz Otávio Torres vem ocupando cargos diversos por lá. Depois de duas décadas, no ano passado, tornou-se o presidente dessa associação científica que reúne mais de 4 mil urologistas de todo o país.

“A SBU está no meu sangue”, diz ele, que até o quinto ano da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais sentia dúvida se iria realmente se tornar urologista, como seu pai, ou se especializar em cirurgia plástica. Acabou ficando com a primeira opção e hoje nem imagina sua vida em outra área. 

Para a nossa campanha #vamosfalarsobreobesidade, realizada ao lado da  SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologista e Metabologia) e da World Obesity Federation, o médico conversou com a  jornalista Lúcia Helena de Oliveira, focando no impacto do excesso de peso na saúde masculina.

Em 2020, que foi o primeiro ano da pandemia, a SBU fez um levantamento sobre a rotina de seus associados atendendo por telemedicina. Pelas respostas, cerca de 30% dos urologistas brasileiros tinham notado algum aumento de peso em um curto período de tempo. É interessante que tenham inserido essa pergunta…

LUIZ OTÁVIO TORRES — É necessário olhar também para a saúde de quem, afinal de contas, zela pela saúde das pessoas. O médico, em geral, é a figura que cuida dos outros, mas ele toma pouco cuidado consigo mesmo. Tem consciência de tudo o que faz mal e de tudo o que deveria fazer para ficar bem. Mesmo assim, acaba se deixando levar pela rotina atribulada, correndo para lá e para cá, com plantões aqui e ali.  Raramente ele trabalha em um lugar só. E o que todo mundo já sabe: nessa profissão, o burnout é cada vez mais comum. Na pandemia foi outro tipo de tensão, ainda maior, sem dúvida. Mas gostaria de chamar a atenção para um detalhe: 90% dos urologistas do país são homens e, se existe uma verdade, é a de que o homem costuma se cuidar menos que a mulher. Nesse contexto, ao fazer o levantamento com os urologistas, incluir uma pergunta sobre o ganho de peso serviu para despertar alguma consciência, ao menos naquele instante de refletir para responder, de como todo o estresse da pandemia e da mudança de rotina estava interferindo na sua saúde. Acho que essa reflexão foi mais importante do que trazer o dado do ganho de peso em si. 

Ao seu ver, o urologista deveria conversar sobre os riscos do ganho excessivo de peso com seus pacientes?

LUIZ OTÁVIO TORRES —  Penso que devemos abordar esse e outros temas para promover a prevenção de várias doenças do estilo de vida — entre elas, a obesidade. Mas aí é que está um grande problema: para isso, precisamos do paciente à nossa frente, antes do adoecimento. E a realidade é que, geralmente,  nós não vemos o homem antes de diversas doenças e complicações darem as caras. É até por isso que a SBU está realizando uma campanha, a #VemProUro.  Com ela, nosso objetivo é incentivar o adolescente, que já não quer ir ao pediatra, a frequentar o consultório do urologista. Esse especialidade, então,  teria a chance de ouro de esclarecer dúvidas sobre vida sexual, incluindo infecções sexualmente transmissíveis, reforçar a importância da vacinação contra o HPV e incentivar bons hábitos para evitar doenças crônicas sérias, como a obesidade. Porque é um fato: a mulher jovem vai ao ginecologista. Mas o menino deixa de ir ao pediatra e só irá pisar no consultório do urologista  quando  já estiver praticamente idoso, possivelmente com obesidade instalada e suas comorbidades. Para ajudarmos na prevenção dessa e de outras condições, precisamos ver os homens mais cedo.

Quando um paciente já chega mais velho e apresentando obesidade, o que o urologista poderia fazer?

LUIZ OTÁVIO TORRES —  Não temos como indicar um tratamento, simplesmente porque não é a nossa área. Mas temos, sim, a obrigação de fazer o diagnóstico e alertar esse homem, em uma boa conversa, sobre as complicações que podem surgir em decorrência do excesso de gordura. E, então, encaminhá-lo ao consultório do endocrinologista, que será a principal porta de entrada para um tratamento multidisciplinar. Aliás, também acho interessante o urologista aproveitar para checar se esse paciente acima do peso vem passando pelo cardiologista. Afinal, sabemos da forte ameaça que a obesidade representa para a saúde cardiovascular.

Uns dizem que sim, outros dizem que não é bem assim: afinal, a  obesidade está associada a um risco aumentado de câncer de próstata?

LUIZ OTÁVIO TORRES —  A verdade é que nós encontramos essa associação na literatura: há uma incidência maior de tumor maligno de próstata em homens com obesidade em relação a homens sem obesidade. Mas, se perguntar por que isso acontece, ninguém saberá descrever os mecanismos fisiopatológicos exatos.  Assim como há dados de uma maior prevalência de cálculos renais em homens que acumulam muita gordura no corpo. Mas não há clareza de uma relação causal.

Sobre a testosterona, homens com obesidade tendem a apresentar níveis menores desse hormônio?

LUIZ OTÁVIO TORRES — Em homens com obesidade e com diabetes, quando essas doenças não estão bem controladas, os níveis de testosterona podem se encontrar mais baixos. Isso muitas vezes não apenas prejudica a manutenção da massa magra, como pode diminuir o desejo sexual e a frequência das relações e das ereções espontâneas. Além disso, nós sabemos que a obesidade e o diabetes costumam estar lado a lado com hipertensão arterial, aterosclerose e  sedentarismo, que são notórios fatores de risco para a obstrução das artérias do pênis. A irrigação sanguínea prejudicada, por sua vez, é capaz de levar a uma disfunção erétil. A gente só precisa tomar cuidado ao falar sobre esse assunto porque, hoje, existe uma onda absurda de uso de testosterona sem necessidade clínica, baseado em promessas sem fundamento, que vão de perda de peso a ganho de massa muscular, passando por melhora da perfomance sexual. Óbvio que não é isso que estou defendendo. Esse uso indiscriminado e sem orientação médica é perigoso e deve ser condenado.

Também se fala que o homem com obesidade pode causar a impressão de que seu pênis é menor… Como o sr. já foi, também, presidente da International Society of Sexual Medicine,  aproveito e pergunto o seguinte: essa seria uma preocupação de fato muito comum? 

LUIZ OTÁVIO TORRES — Sim, muito comum em homens com obesidade de qualquer idade. Especialmente nos jovens, é o tipo de preocupação capaz de causar danos psicológicos enormes — todo estigma, aliás, tem esse potencial. Muitas vezes, chegam até nós, urologistas, relatos de adolescentes que  são apontados pelos colegas de escola ou de clube no vestiário, tornando-se alvo de apelidos e comentários que não têm nada de engraçado. Às vezes, a preocupação com o tamanho do pênis aparece até antes, na infância. Os pais, então, trazem o menininho acima do peso no consultório, assustadíssimos, achando que haveria algo de errado com o filho. Daí, eu pressiono levemente a barriga do garoto e lhes mostro: ‘Olhem para o pênis agora. E só uma capa de gordura subcutânea que está escondendo parte dele.’ E todos ficam espantados. Mas, sob certo ponto de vista, mesmo que o garoto perca gordura amanhã ou depois, uma certa falta de confiança pode se instalar e abalar a saúde psicológica a longo prazo. E nem preciso dizer como o bem-estar psíquico é importante para todos. *

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