21 de março de 2023
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FABIANA POLTRONIERI E BRUNO HALPERN: Existe gordofobia entre profissionais de saúde

Na sexta-feira, 17, publicamos uma entrevista com Erick Cuzziol, do perfil “Nutricionista Gordo do Instagram. Ele narrou algumas cenas de preconceito que enfrentou ainda durante a faculdade de Nutrição e já em consultório, ouvindo absurdos por causa do seu corpo.

Para entender como a categoria trata e lida com os profissionais com obesidade, conversamos com Fabiana Poltronieri, uma nutricionista também acima do peso. Doutora em Ciência dos Alimentos pela USP (Universidade de São Paulo), professora do Centro Universitário das Américas – FAM,  em São Paulo, ela já coordenou o Grupo Técnico de Casos Éticos Comentados do CFN (Conselho Federal de Nutrição).

Por coincidência, Fabiana foi professora de Erick na graduação e conta que sempre conversaram, compactuando da visão de que, infelizmente, existiria uma atitude gordofóbica entre muitos colegas nutricionistas. A seguir, o bate-papo que ela teve com a Abeso:

Abeso — Como tem sido a formação dos nutricionistas para lidar com pacientes com obesidade?

Fabiana PoltronieriO comportamento da sociedade, ignorando a complexidade da questão, muitas vezes acaba se refletindo na conduta de profissionais de Nutrição desde a graduação. Evidentemente que as entidades encarregadas de sua formação devem estar atentas para que eles desenvolvam um olhar acolhedor e, sobretudo, para que os futuros nutricionistas compreendam não só os determinantes da alimentação, mas que a etiologia da obesidade não é única. Não pode ser reduzida. Ela envolve desde fatores biológicos à qualidade da calçada que eu tenho para caminhar; a distância e a segurança que eu tenho para me locomover onde eu resido, já que a prática de atividade física  entraria na prevenção e no controle do problema; o acesso a alimentos in natura e minimamente processados; as habilidades culinárias de cada um, por ser desejável incentivar a comida caseira; o tempo de preparo e, sem sombra de dúvida, a carência de políticas públicas mirando cada um desses e de outros pontos.

Falar de obesidade na formação dos nutricionistas é primordial, mas não é abordar apenas a dieta. É encarar o contexto complexo de uma doença que as estatísticas indicam que será ainda mais prevalente nos próximos anos — e muito por conta, também, do aumento do consumo de alimentos processados e ultraprocessados.

Abeso — E a questão do olhar acolhedor?

Fabiana Poltronieri Começa pelo jeito de falar nas aulas, chamando a atenção de que é uma pessoa com obesidade e não um indivíduo portador de obesidade. Ora, se fosse assim, ele deixaria de “portar” e seria uma questão fácil. Poderia deixar sua obesidade sobre a mesa ou até no chão, costumo brincar.

Precisamos ensinar que é pessoa ou paciente com obesidade. E mostrar que esse indivíduo merece um olhar cuidadoso e específico de quem quer que seja, nutricionistas incluídos.

Abeso  — E como os seus pares lidam quando encontram um “nutricionista gordo”?

Fabiana Poltronieri Vou ser clara: alguns colegas são, sim, gordofóbicos. A questão da gordofobia está presente em diversas categorias de profissionais de saúde — entre nutricionistas, médicos, fisioterapeutas, enfermeiros e outros tantos.

Eu sou uma nutricionista com obesidade e em nenhum momento isso foi um impeditivo para fazer meu trabalho de maneira adequada. No entanto, há uma percepção, parece que generalizada, de que nutricionistas costumam ter um olhar negativo para os colegas com obesidade. Lamentável.

Abeso — Na sua opinião, o que atrapalha o tratamento nutricional da obesidade?

Fabiana Poltronieri Poderia falar de muitos aspectos, mas vou ressaltar as redes sociais que, como diria o escritor e filósofo italiano Umberto Eco (1932-2016) “deram voz aos idiotas”. E, no caso, eu me refiro aos influenciadores que falam de alimentação e que nem profissionais da área são e às vezes até mesmo a nutricionistas que reforçam a meta de conquistar ou manter o “peso corporal normal”— sendo que o “normal”, teria  a ver com padrões estabelecidos e não com saúde. Nas redes sociais, os conceitos equivocados se disseminam velozmente nos primeiros compartilhamentos. O pior deles é a mensagem de “força, foco e fé”, indesculpável do ponto de vista ético. Obesidade não é questão de fraqueza, nem de falta de fé, muito menos ausência de foco.

O OLHAR DE BRUNO HALPERN SOBRE O TEMA

“Dizer que um nutricionista ou um endocrinologista não podem ter sobrepeso ou obesidade é a mesma coisa de dizer que um psicólogo ou um psiquiatra não podem ter depressão nem ansiedade. Ou que um cardiologista não pode ter hipertensão.

Se a gente reconhece que doenças crônicas não são algo que as pessoas escolhem ter, mas que acontecem por fatores múltiplos — de uma mistura de genética com ambiente, além de outros fatores –, é fácil entender que mesmo profissionais de saúde que tratem determinada doença não estão livres de tê-la e isso não os torna melhores ou piores. 

Muitas vezes, o fato de alguém já ter uma doença antes de se tornar um profissional de saúde faz com que trilhe essa área para sua carreira justamente porque teve más experiências no passado e quer ajudar as pessoas a não passarem o que ele passou. E não há problema algum nisso.

Porém, a gente sabe que existe a gordofobia. Precisamos separar muito bem as coisas. Aliás, ninguém garante se aquele profissional já não fez um tratamento bem sucedido, perdeu peso, goza de boa saúde e simplesmente não conseguiu normalizar o IMC — porque é muito difícil mesmo e nem é o objetivo do tratamento da obesidade normalizar o IMC.

A grande questão da obesidade é que ela é visível. Talvez o paciente não saiba que o seu cardiologista tem uma hipertensão ou que o seu psiquiatra tem depressão, por exemplo. Mas o profissional de saúde acima do peso não esconde sua condição, tornando-se alvo do preconceito.

É importante que profissionais de saúde bem-sucedidos que tenham sobrepeso ou obesidade conversem sobre isso, mostrando as situações em que eles sofreram gordofobia de colegas, dentro da própria classe.

A gente ouve falar até de clínicas que prometem o “corpo ideal” com dietas extremamente restritivas e que fazem assédio moral com quem trabalha nelas dizendo o quanto é preciso pesar para não ser demitido. Isso é gravíssimo. Quem faz isso, aliás, realmente entende muito pouco sobre o que é sobrepeso e obesidade.

Por fim, estou totalmente de acordo com a Fabiana Poltronieri quando ela critica essa questão de ‘força, foco e fé’. Profissionais de saúde não devem ser coaches. Devemos nos basear na ciência, apontando quais tratamentos que funcionam e quais os seus objetivos. Claro que há pessoas que podem atingir resultados muito acima da média e devemos, sim, discutir com o paciente como motiva-lo e reconhecer obstáculos. Mas isso é diferente de  passar a ideia de que ‘basta querer’ ou de que com ‘força de vontade tudo se consegue'”

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