22 de abril de 2019
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Éric Ravussin: comer menos para viver mais

Professor da Lousiana State University, ex-presidente da The Obesity Society e editor-chefe do periódico Obesity Journal,  Éric Ravussin é, sem dúvida, um dos maiores estudiosos da obesidade no mundo, com mais de 500 artigos publicados, sendo vencedor de diversos prêmios por suas contribuições à compreensão dos mecanismos fisiológicos dessa doença.  

Atualmente, ele se dedica ao entendimento de como a restrição calórica impacta nos marcadores do envelhecimento e da longevidade. No entanto, apesar de esse ser o tema da conferência que abriu o XVIII Congresso Brasileiro da Obesidade e Síndrome Metabólica, o cientista nascido na Suíça e radicado nos Estados Unidos preferiu começar sua apresentação lembrando a sua amizade com o professor Alfredo Halpern, um dos fundadores da Abeso. 

 “Nós nos conhecemos em 1989, no Rio de Janeiro, e era impressionante observá-lo. Meu colega era movido pela curiosidade e, consequentemente, pelo desejo de fazer pesquisa. Mas o que eu mais admirava em sua personalidade era que o Alfredo vivia se desafiando. Inquieto, queria trazer novas tecnologias para os estudos que desenvolvia aqui, no Brasil. E, sem dúvida alguma, era um excelente educador. Fazia piada com frequência, mas usava a diversão como um meio para passar informações e ensinar outras pessoas sobre o que seria, de fato, a obesidade.” 

Depois dessa breve homenagem, o cientista levantou a questão à plateia: “Podemos dar um fim ao envelhecimento?”. Não levou mais do que um segundo para ele próprio oferecer a resposta. “'É claro que não! Mas, sim, podemos desacelerar o processo de envelhecimento e estou convencido de que isso inclui reduzir a quantidade de calorias que ingerimos diariamente.”

Ravussin diferenciou o envelhecimento primário do secundário. “O primário é a degeneração inevitável das células e dos tecidos com o passar do tempo, acompanhado de perdas funcionais. Ele ocorre independentemente do estilo de vida que levamos e das doenças que nos acometem. Ora, todos nós envelhecemos e esse processo primário é o que determina nossa expectativa de vida máxima”, explicou.

 “Já o envelhecimento secundário”, continuou ele, "é um declínio funcional e uma degeneração dos tecidos que ocorrem, ambos, de um modo mais ou menos acelerado conforme a influência das doenças, da dieta e de comportamentos como fumar, praticar ou não uma atividade física, entre vários outros. É por isso que duas pessoas com a mesma idade cronológica podem ser aparentemente bem diferentes. Diria que o envelhecimento secundário é aquele que determina nossa expectativa de vida média.”

O que aprendemos com os ratos

Segundo o professor,  a genética é importante no envelhecimento primário, mas também no secundário, na medida em que ela pode aumentar a predisposição a males como o câncer, capazes de acelerá-lo. “Mas a genética sozinha nunca é determinante”, acredita. "E o que sabemos é que restringir calorias pode ser um caminho para aumentar a expectativa de vida. isso porque reduza produção de radicais livres e, consequentemente, o estresse oxidativo que está por trás do envelhecer.”

Cortar a oferta de calorias para aumentar a longevidade é uma estratégia conhecida de longa data. Precisamente, desde 1936, quando foram publicados os primeiros estudos sobre o tema, realizados com ratos pelo doutor Clive McCay, da Universidade Cornell, nos Estados Unidos. “Ele observou que os animais mantidos com uma dieta de baixo valor calórico viviam por  muito mais tempo”, disse Ravussin. De lá para cá, surgiram inúmeros outros trabalhos demonstrando que, consumindo menos calorias, os ratos se mostravam mais resistentes a desenvolver aquelas doenças típicas da idade mais avançada.

“Precisamos lembrar que o envelhecimento por si só é o principal fator de risco para as chamadas doenças do envelhecimento: infarto, AVC, câncer, pneumonias, enfizema, diabetes, Alzheimer e tantas outras”, continuou Ravussin em sua conferência.   "Onde quero chegar: se a restrição calórica é capaz de frear o envelhecimento primário, ela também é uma medida para evitar aqueles males que, por sua vez, acelerariam o envelhecimento secundário.”

Há pesquisas com aranhas, peixes, sapos e outras espécies que levam a conclusões parecidas com esta: sim, restringir calorias aumentaria a expectativa de vida. “E quanto ao homem?”, indagou Ravussin, seguindo sua linha de raciocínio. Ele então lembrou dos habitantes da Ilha de Okinawa, no Japão, onde há uma das maiores concentrações do mundo de pessoas longevas. “Diversos estudos mostram que a dieta padrão dos idosos de Okinawa oferece cerca de 15% a menos de calorias do que o que seria requerido pelo organismo deles.”

O professor apresentou mais estudos, todos indicando  as vantagens para o metabolismo promovidas pelo consumo menor de calorias. Em um deles, conduzido por sua equipe, os participantes foram submetidos a uma dieta com 25% de restrição calórica. "No final de seis meses,  observamos um aumento da sensibilidade à insulina, além de uma diminuição da pressão arterial, do estresse oxidativo e do apetite”, resumiu.

Se alguém perguntar ao professor se valeria a pena restringir a quantidade diária de calorias em 15%, à moda de Okinawa, ou em 25%, como no estudo que mostrou, ele diria sem pestanejar: “Quanto maior a restrição, melhor”. E ainda brincou, citando mais uma vez o doutor Alfredo Halpern: “Eu aposto que ele diria que uma redução de 15% estaria o.k. Enquanto eu já falaria em 25% ou mais”, comparou, rindo.

Quanto mais cedo, melhor

Outra pergunta: para aumentar a expectativa de vida, quando então começar a cortar calorias?  Resposta de Ravussin: “Quanto antes melhor, desde que depois da passagem pela puberdade”. E justificou essa resposta projetando na sala a foto de seu casamento com Jacqueline Ravussin em julho de 1975. “Se, naquela época, eu soubesse tudo o que sei hoje sobre as vantagens da restrição calórica, teria me esforçado um pouco para cortar apenas 15% das calorias que consumia diariamente nas refeições. Essa medida, pelos meus cálculos, me faria ganhar 4,7 anos de vida para aproveitar” 

Nos telões da sala, então, apareceu outra imagem, a de outro casamento. “Esta é Marie, com quem me casei em 2015, quando já estava convicto de que seria bom restringir as calorias da minha alimentação. Mas, ainda que eu fizesse o dobro de esforço que poderia ter feito na época do meu primeiro casamento, no caso cortando a ingestão calórica em 30%, tomar essa atitude a partir do meu segundo casamento faria eu ganhar — e, de novo, estou me baseando nos cálculos que usamos em nosso laboratório — somente 1 mês e meio a mais na minha expectativa de vida. Pode parecer um sacrifício comer tão pouco para aumentar umas seis semanas na expectativa de vida…”

Para finalizar, Ravussin contou um pouco sobre suas investigações mais recentes. Elas focam os benefícios do jejum. “Se pensamos na evolução do homem, conseguimos entender que precisamos de períodos sem comer.  Afinal, no passado, nossos ancestrais só comiam quando conseguiam caçar algum animal. Entreuma caçada e outra, ficavam sem mastigar nada”, disse. “No entanto, hoje os seres humanos têm comida disponível em qualquer momento. Pode ser um problema: há evidências de que comer ao longo do dia todo aumenta em 57% o risco de obesidade. Assim como fazer refeições a cada três horas, que é o que muita gente diz ser bom, na verdade elevaria o risco de pré-diabetes em 20%.” 

Pular o desjejum: seria uma boa medida?

Ele vem realizando pesquisas para confirmar, por exemplo, a hipótese de que seria uma boa pular o café da manhã, prolongando o período de jejum das horas da madrugada em que ficamos adormecidos. “Existem diversas propostas de jejum sendo estudadas. Sei que é difícil ficar sem comer nada entre a meia-noite de um dia até a meia-noite de outro. Por isso, pessoalmente acho mais fácil uma proposta de alimentação por tempo restrito: por exemplo, em vez de ficar 15 das 24 horas do dia se alimentando, tentar limitar o período em que é permitido comer para seis ou oito horas, o que também facilitará a restrição calórica”, descreveu. 

Em um trabalho envolvendo homens com pré-diabetes, os voluntários foram divididos em dois grupos. Um deles fez refeições dostribuídas ao longo de 12 horas em um dia. O outro teve um período limitado a 6 horas para comer. Pois bem: este segundo grupo apresentou uma excelente melhora na hemoglobina glicada e em outros parâmetros de saúde, como pressão arterial. “Por isso, uma última questão precisa ser levantada: e se o maior problema for comer ao longo do dia inteiro?”. É uma boa pergunta, professor Ravussin. E sabemos que já está correndo atrás de uma resposta.

Ao encerrar sua palestra, aliás, o pesquisador recebeu das mãos do endocrinologista Amélio Godoy-Matos a comenda que leva o nome do professor Alfredo Halpern pela sua busca incansável dos mecanismos que determinam como o organismo humano gasta energia e o que podemos fazer para combater a obesidade. Nesse sentido, cortar calorias seria uma das atitudes.

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