por Alfredo Halpern
Repercute intensamente a publicação de um artigo no Journal of the American Medical Association – JAMA (Janeiro/2013), cuja primeira autora é Katherine Flegal, uma importante epidemiologista dos EUA, mostrando, numa meta análise de mais de 100 estudos feitos em 13 países, com quase três milhões de habitantes, que ter excesso de peso ou obesidade grau I (IMC≤ 35kg/m2) associa-se a uma mortalidade menor quando comparado à população com IMC menor que 25kg/m2.
Como era de se esperar, duas grandes reações aconteceram: uma advinda dos setores que defendem acerbamente que excesso de peso é indubitável fator de morbi-mortalidade populacional (e um dos representantes mais importantes dessa corrente é Walter Willet, de Harvard), que criticaram o estudo, apontando muitas falhas na sua elaboração, como acontece neste tipo de levantamento de dados.
A outra reação partiu de outros autores, que utilizaram esses resultados para confirmar sua opinião de que existe um exagero na “demonização” do excesso de peso e suas consequências, proveniente – no dizer deles – de uma indústria da obesidade, que fatura bilhões de dólares (incluindo-se, aqui, companhias farmacêuticas, médicos, nutricionistas, fisiculturistas, charlatães, etc.).
Minha impressão é que temos que avaliar corretamente os dados existentes. Realmente, é fato sabido que para muitas pessoas um ganho de peso (para alguns não muito exagerado), é fator básico e determinante para adquirir uma série de doenças, como diabetes melito, a hipertensão arterial, a dislipidemia aterogênica, a apneia do sono, a insuficiência cardíaca, a asma brônquica, alguns tipos de câncer, doenças ortopédicas, dermatológicas e assim por diante; estas pessoas indubitavelmente apresentam melhoras acentuadas na sua condição clínica ao emagrecerem.
Por outro lado, cada vez mais se descrevem doenças em que ter excesso de peso faz melhorar o prognóstico, como a mesma insuficiência cardíaca, a hepatopatia, a nefropatia, doenças pulmonares obstrutivas crônicas, etc. Mas pelo menos 1/3 das pessoas com excesso de peso ou obesidade não apresentam nenhum distúrbio metabólico clinicamente detectável e que, possivelmente, não são muito prejudicadas (a não ser pelo fator estético, que a meu ver deve também ser valorizado).
Todos nós sabemos que a obesidade prejudicial é particularmente a visceral e que, portanto, é óbvio que sua avaliação é muito mais importante que o IMC. Deve ser enfatizado, no entanto, que há uma correlação clara entre as medidas de circunferência abdominal e o IMC, pelo menos em termos populacionais.
De qualquer maneira, qual deve ser nossa posição, representantes científicos que somos, das opiniões relativas ao tema?
Na minha visão, realmente há uma posição maniqueísta contra o perigo que o excesso de peso representa, e isto deve ser combatido, particularmente no que concerne a más e desonestas práticas. Por outro lado, não podemos compartilhar a opinião de que o excesso de tecido adiposo deva ser considerado um fator protetor sempre (como parece ser a opinião dos que tomam os resultados do estudo da JAMA como uma bandeira de luta). Seria o cúmulo incentivar uma pessoa com peso normal a ganhar peso! Neste sentido, acho importante salientar o estudo de Berrington de Gonzáles e colaboradores, publicado no New England Journal of Medicine de 2010, que mostrou, em cerca de 1,5 milhões de indivíduos, o IMC com menor mortalidade está em torno de 22kg/m2.
Aqui, como em tudo na medicina, devemos pesar bem os prós e contras no tratamento dos nossos pacientes com excesso de peso e obesidade. Há doenças associadas? Qual a história familiar? Quanto seu excesso de gordura os incomoda? E assim por diante… Por outro lado, do ponto de vista populacional, devemos continuar lutando contra os maus hábitos de vida que se associam à obesidade, particularmente em crianças, nas quais estudos como o Bogalusa – amplamente conhecido – claramente mostram que a obesidade se associa a sinais precoces de aterosclerose.
Em suma, acima de tudo, devemos ter bom-senso. Afinal, uma coisa é um estudo epidemiológico mostrando uma discreta redução na mortalidade de pacientes com 25 a 35kg/m2. Outra coisa é o paciente na nossa frente, em que uma boa história clínica e exame físico acurado mostram que, indubitavelmente, sofre e sofrerá conseqüências advindas de seu excesso de gordura.
Como disse o genial Nelson Rodrigues: toda unanimidade é burra!
Opinião – Publicado na edição 61, jan./fev. de 2013