11 de julho de 2018
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Redes sociais tornam adolescentes alvos fáceis para a indústria de bebidas açucaradas

As bebidas açucaradas estão cada vez mais em evidência por seu importante papel no ganho de peso em todo o mundo. A taxa de obesidade global mais que dobrou nos últimos 40 anos, com mais de 1,9 bilhão de adultos acima do peso em 2014. Destes, 600 milhões são obesos. Somente na Austrália, mais da metade (63,4%) dos adultos e mais de um quarto (27,4%) das crianças tinham sobrepeso e obesidade entre 2014 e 2015. O consumo regular destas bebidas também aumenta o risco de doenças como o diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares.

Diante desta realidade, e cientes de que os jovens entre 12 e 19 anos são os maiores consumidores de bebidas açucaradas, bem como fiéis usuários de redes sociais, pesquisadores da Escola de Saúde Pública da The University of Adelaide, na Austrália, analisaram como as bebidas adoçadas com açúcar são divulgadas para os jovens australianos nas páginas de Facebook das principais marcas.

Em The marketing of sugar‐sweetened beverages to young people on Facebook, publicado no Australian and New Zeland Journal of Public Health, realizaram uma análise de conteúdo das postagens nas seis páginas mais populares da plataforma na Austrália.

O objetivo foi entender como as bebidas açucaradas são divulgadas para jovens e quais os conteúdos destes anúncios. Foram analisadas as técnicas de marketing utilizadas, as mensagens diretas e indiretas contidas nas postagens e sua repercussão entre os jovens.

 

Os jovens australianos

Na Austrália, jovens com idade entre 14 e 18 anos são os maiores consumidores de refrigerantes e bebidas esportivas, enquanto o consumo de bebidas energéticas está mais presente na faixa etária entre 19 e 30 anos, especialmente entre os homens. Todas estas bebidas, em geral açucaradas, são constantemente anunciadas aos jovens na televisão, bem como em várias outras mídias e veículos, incluindo escolas, ou por meio de patrocínios esportivos, exposição no varejo e anúncios em videogames e internet.

A proporção de despesas com publicidade de bebidas açucaradas através da mídia tradicional, como a televisão, está diminuindo, enquanto os gastos com canais on-line, como plataformas de mídia social, aumentam. Embora o marketing impulsione o consumo entre jovens,  pesquisas e ações políticas muitas vezes não abrangem a comercialização destas bebidas, ou têm sua atenção voltada mais para o público infantil.

 

Seleção da amostra

Foram selecionadas as duas páginas com mais seguidores nas categorias refrigerante, bebidas esportivas e bebidas energéticas, totalizando seis páginas: Coca-Cola Austrália, Pepsi Austrália, Powerade Austrália, Gatorade Austrália, Red Bull e Monster Energy.

Os dados foram coletados ao longo de seis meses e analisados ​​quantitativamente quanto a dados descritivos e técnicas de marketing. Em seguida, foram analisadas as mensagens implícitas contidas nos anúncios.

O conteúdo de marcas esportivas e de bebidas energéticas, por exemplo, foi fortemente dominado pelos temas ‘esportes’ e ‘virilidade’, enquanto o conteúdo da Coca-Cola baseava-se em mensagens do tipo ‘diversão com os amigos’ ou ‘felicidade’. Todas as páginas utilizaram imagens ao ar livre.

As bebidas esportivas tiveram a maior taxa de ações, apesar de terem menos seguidores.

 

Mídias sociais e marketing contemporâneo

As plataformas de mídia social representam um ambiente integrado e em evolução, no qual conteúdo, cultura e comércio estão completamente interconectados. Para o usuário, as plataformas são uma fonte de entretenimento, permitindo compartilhar informações e socializar. No entanto, a lucratividade das plataformas de mídia social depende da receita de publicidade e isso é conseguido através de extensa coleta de dados e rastreamento das atividades on-line, preferências e relações entre os usuários.

Muitas indústrias já reconhecem o potencial do marketing nas mídias sociais e estão investindo cada vez mais nessas plataformas. A indústria de alimentos e bebidas desempenha um papel de liderança, conduzindo e implementando pesquisas de mercado neste setor.

Embora acessadas por pessoas de todas as idades, os jovens são maioria. O ambiente on-line se tornou um cenário importante para esta faixa etária. Em 2015, a maioria dos jovens australianos entre 14 e 24 anos estava on-line várias vezes ao dia. À medida que novos dispositivos são usados ​​para acessar a Internet, há um aumento substancial do tempo gasto on-line por essa faixa etária.

 

Coleta, análise de dados e técnicas de marketing

Foram coletadas todas as postagens oficiais feitas por essas marcas durante o período de 1º de janeiro de 2015 a 30 de junho de 2015, gerando 446 postagens. No período, houve aproximadamente 1,9 milhão de interações com as seis páginas, entre curtidas, comentários e compartilhamentos.

As postagens e interações foram analisadas quanto ao tipo (status, imagem, vídeo, compartilhamento, link, outro); produto (bebidas açucaradas, açúcar "reduzido", sem açúcar, múltiplo ou não especificado); e número total de curtidas, compartilhamentos e comentários.

A forma mais comum de postagem era visual. Em todas as marcas, os posts eram predominantemente de fotos e vídeos (62% e 34%, respectivamente). As bebidas adoçadas foram o tipo de produto com maior frequência nas postagens, enquanto as versões com açúcar reduzido e/ou sem açúcar representaram menos de 5% das postagens. A única exceção foi o produto sem açúcar da marca Pepsi Max, que apareceu em 87% dos posts da marca.

Muitos posts (70%) incluíam um ou mais ‘calls to action’ por meio dos quais as marcas incentivavam seus seguidores a fazer algo. Nenhuma marca pediu diretamente a seus seguidores que curtissem ou compartilhassem suas postagens e relativamente poucas postagens solicitavam diretamente aos seguidores que comentassem as postagens (4%). Em vez disso, as postagens apresentavam uma pergunta aos usuários (33%), incentivavam os usuários a seguir um link da web (46%) e/ou promoviam uma competição entre os usuários (21%). As páginas de bebidas esportivas e refrigerantes também incentivaram diretamente os usuários a criar ou compartilhar seu próprio conteúdo (34% e 14%, respectivamente).

Outra estratégia comum entre as marcas foi a utilização de hashtags, que criam um link entre as publicações e todos os outros conteúdos no Facebook que contém a mesma hashtag. O recurso foi usado regularmente por páginas de bebidas esportivas e refrigerantes, com 38% e 72% das postagens contendo uma ou mais hashtags, respectivamente. Aquelas utilizadas com mais frequência estavam associadas a campanhas de marketing específicas, competições ou eventos esportivos. A Red Bull foi a exceção, que não usou hashtags no período.

 

Compartilhando conteúdos e valores

As marcas de bebidas com adição de açúcar usam o Facebook para alinhar seu marketing com valores e práticas socioculturais que podem ser considerados importantes pelos jovens.

Os jovens procuram encontrar espaços de lazer em que possam se distanciar da supervisão dos adultos e do estresse da vida cotidiana. O ambiente on-line permite a participação não regulamentada em atividades de lazer localizadas em espaços físicos regulamentados por adultos, como suas residências ou escolas. A mídia social é, portanto, uma extensão do espaço no qual os jovens participam do lazer.

As páginas estudadas frequentemente compartilham vídeos de alta qualidade e links da web para outras fontes de entretenimento. Ao fazê-lo, as marcas da bebidas açucaradas não estão apenas associando seus produtos ao lazer, mas também fornecendo uma fonte de lazer para os jovens.

 

Envolvimento do público

É importante perceber que, embora o marketing tradicional tenha sido predominantemente passivo, as plataformas de mídia social, como o Facebook, permitem o envolvimento direto entre marcas e usuários.

Prática frequente é a de realizar perguntas ou incentivar os usuários a criar e compartilhar conteúdos da marca. Ao fazê-lo, levam os usuários a se envolver, incentivando a autoexpressão e a construção da identidade social.

Oferecer aos usuários ferramentas para se expressarem de forma criativa resulta em maior engajamento do usuário. Foi especificamente demonstrado que mesmo o conteúdo gerado pelo usuário a partir dos posts das empresas influencia positivamente a percepção da marca, a lealdade do consumidor, a ligação emocional, a confiança e o comprometimento com a marca.

Além disso, gerar engajamento com o conteúdo das marcas também aumenta o alcance orgânico das publicações. Ou seja, é mais provável que usuários visualizem o conteúdo da marca por meio da incorporação dos amigos dos seguidores da marca, amplificando os resultados.

 

Implicações para a saúde pública

Diversas pesquisas já foram realizadas com o intuito de avaliar a publicidade de bebidas alcoólicas nas mídias sociais e seu efeito no aumento do consumo de álcool. No entanto, pesquisas relacionadas à comercialização de bebidas adoçadas pelas mídias sociais ou especificamente focadas no Facebook inexistem.

Desta maneira, os resultados do estudo trazem desafios e também oportunidades para novas estratégias em políticas de saúde pública relacionadas à redução da obesidade.

As atuais restrições à publicidade de alimentos e bebidas não saudáveis ​​para jovens diferem em todo o mundo, inclusive na Austrália. No que diz respeito às plataformas de mídia social, as únicas restrições são os limites de idade estabelecidos pela plataforma, que somente admite a adesão daqueles que informam ter 13 anos ou mais. Como resultado, os adolescentes e, sem dúvida, muitos jovens com menos de 13 anos que burlam as regras para se conectar, vêm sendo expostos a uma grande quantidade de publicidade de alimentos e bebidas, sem qualquer restrição.

Ao contrário das mídias tradicionais, as redes sociais podem direcionar a publicidade com base em variáveis ​​demográficas selecionadas, dificultando o monitoramento. Por este motivo, é necessário entender a exposição e o impacto sobre os jovens, bem como criar regras restritivas para esta publicidade. O Facebook já implementou diretrizes que proíbem ou restringem a propaganda de produtos nocivos, como tabaco e álcool.

A comunidade de saúde pública também pode aproveitar a capacidade das plataformas de mídia social para contra-anunciar a publicidade da bebidas açucaradas, promovendo hábitos alimentares saudáveis ​​entre os jovens.

Estas descobertas poderão servir como ferramentas para a elaboração de políticas de saúde pública para a regulamentação do setor, bem como integrar futuros debates sobre estratégias para a redução da obesidade. É preciso estarmos atentos às oportunidades exclusivas oferecidas aos profissionais de marketing pelas mídias sociais, bem como à vulnerabilidade dos jovens à comercialização desses produtos, especialmente através destas mídias.

 

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