08 de abril de 2023
  • compartilhar:

DRIKA LUCENA E BRUNO HALPERN: A gordura nas artes

Noutro dia, publicamos o perfil de Priscila Barbosa, artista urbana com obesidade que traz a diversidade de corpos em suas pinturas, feitas muitas vezes em murais gigantes e colorindo fachadas de edifícios nas alturas.

Mas como será que a arte vem retratando o corpo desde os primórdios? O belo sempre foi o corpo magro? Para entender um pouco, entrevistamos Drika Lucena, professora de História da Arte e Estética na Unisanta (Universidade Santa Cecília), em Santos, no litoral paulista.

AbesoComo o corpo começou a ser retratado na arte?

Drika Lucena — O corpo é retratado desde que o mundo é mundo, modo de dizer. Se pensar no homem das cavernas, já estava lá o corpinho desenhado, mostrando o seu cotidiano, tratado como elemento importante de comunicação.

Depois, os homens da Antiguidade encontraram pequenas esculturas de mulheres gordas feitas milhares de anos antes. A mais conhecida é a Vênus de Willendord [esculpida entre 28.000 e 25.000 anos antes de Cristo e exposta no Museu de História Natural de Viena, na Áustria]. Alguns historiadores interpretam essa figura gorda como se ela fosse deformada, veja que coisa! Essa Vênus seria um olhar sobre o corpo de quem não conseguia se ver por não existir espelho em seu tempo.

Em outros períodos adiante, porém, a gordura corporal nas artes representou a fartura. Ter  uma barriguinha significava que aquela personagem retratada comia melhor e, se comia melhor, era uma pessoa mais rica. Já as figuras muito magras quase desapareceram nesses tempos, colocadas em segundo plano na imagem, representando uma classe social mais baixa.

Abeso — Existiram períodos em que, ao contrário, “emagreceram” os corpos nas artes?

Drika Lucena — Sim. Voltando à Antiguidade, no Egito a maior preocupação era com a perspectiva da medidas corretas. Então, o que nós vemos na arte dos egípcios antigos é um corpo 100% esguio. E esse corpo, na forma como era desenhado, também mostrava um status. O faraó tinha uma estatura enorme e os escravos, menores — só que todos eram muito magros.

Daí, podemos ir para a Grécia Antiga. De acordo com muitos historiadores, os gregos foram os criadores de um ideal de beleza que persiste até hoje.  E o corpo grego é sempre magro, trabalhado no exercício. Lembre-se que eles criaram muitas das modalidades esportivas. E fizeram inúmeros estudos de anatomia. Tudo isso se reflete nas artes. A musculatura torneada está presente nas esculturas gregas também.

Abeso — Então, houve uma alternância de preferência por corpos mais gordos e mais magros retratados nas artes?

Drika Lucena — Exato. Importante entender que algumas culturas já tinham preferência pelos corpos magros. Em outras, a gordura era bonita porque indicava prosperidade. O corpo sempre foi retratado conforme o tempo  somado ao ambiente social e cultural em que o artista estava inserido.

Abeso — Mas houve algum momento da história mais recente em que a gordura é quase banida das artes?

Drika Lucena — Eu diria que coisa vai mudar de figura quando o excesso de gordura começa a ser associado ao risco de doenças. Aí o corpo gordo, principalmente com uma obesidade maior, passa a ser demonizado ou representado de maneira quase cruel nas manifestações artísticas.

Mas também é interessante notar que, por anos e anos, os corpos foram retratados nas artes pela visão masculina. Vale reparar que, ao longo da história, há muito mais figuras de mulheres cercadas de objetos do ambiente, como se elas próprias fossem mais um objeto.

Abeso Algo está mudando?

Drika Lucena — Com o surgimento do que consideramos arte contemporânea entre as décadas de 1960 e 1979, os movimentos de vanguarda ampliam o olhar para os corpos, compreendendo que as pessoas são diferentes e que não se encaixam em um único padrão. Os artistas de vanguarda denunciam a opressão estética em todos os sentidos.

E ainda hoje há uma intenção nas artes de mostrar o corpo como algo diverso. Mas, se ele é gordo demais, ainda fica de fora disso. Você vai ver um ou outro artista desenhando corpos gordos, com alguma coragem porque, infelizmente, muitas pessoas se referem à imagem retratada de uma maneira pejorativa.

O OLHAR DE BRUNO HALPERN SOBRE O TEMA

“Hoje, temos 20% da população com obesidade e mais de 50% dos brasileiros com sobrepeso. Portanto, é esperado que essas pessoas estejam representadas em todas as áreas do conhecimento e da cultura. 

Um ponto interessante é essa percepção histórica de que, a depender da época, o modelo de corpos saudáveis poderia ser diferente, com pesos maiores ou menores. Hoje, porém, temos um conhecimento maior sobre os riscos do excesso de peso, que variam muito de pessoa a pessoa. E é bom diferenciar o que é uma discussão de saúde — importantíssima — e o que é uma discussão estética. Sem contar a noção clara de que vivemos em um mundo em que a magreza é valorizada de uma forma pouco saudável também.

A obesidade pode ser definida como um excesso de gordura que prejudica a saúde. Nesse sentido, você pode encontrar pessoas que têm um pouquinho só de excesso de peso e que já apresentam grandes alterações de saúde — inclusive do ponto de vista biopsicossocial –, enquanto outras com maior acúmulo de gordura não terão tantas alterações.

Porém, há pessoas sem excesso de peso de acordo com qualquer parâmetro de saúde que se julgam “gordinhas” e que, contraditoriamente, começam a ter atitudes pouco saudáveis para parecerem (assim pensam) mais saudáveis. 

Isso, ao meu ver, mostra que estamos em um momento no qual o que é visto como um peso ideal e um peso saudável não é real. E termos movimentos no universo da moda e das artes questionando esses  padrões é importante para alcançarmos um mundo mais inclusivo e menos distorcido.”

veja também

assine nossa newsletter

    nome

    e-mail

    Você aceita as diretrizes desta newsletter

    x

    Aviso de Privacidade - Utilizamos cookies para melhorar a sua navegação e garantir a melhor experiência em nosso site em nosso site. Ao continuar navegando ou ao clicar no botão “ACEITO”, consideramos que você está de acordo com a nossa Política de Privacidade.

    ACEITO