Você nem precisa entender tanto de arte para talvez desconfiar que está olhando para uma pintura de Fernando Botero, artista colombiano nascido em 1932, cujo traço marcante é retratar figuras rechonchudas.
E, tranquilamente, encontramos algo em comum com o trabalho da paulistana Priscila Barbosa, ilustradora e artista plástica que também guarda características inconfundíveis em suas obras: diversidade de tons de pele e de tamanhos de corpos, temas feministas e cores puxando para o rosa e para o coral. Você pode conferir isso em seu perfil no Instagram: @priii_barbosa.
Segundo a artista, investigar diferentes corpos femininos é um caminho para propor uma percepção crítica em relação aos padrões estéticos. Pri, como também é chamada, já mostrou suas mulheres de formas volumosas pintando murais no Brasil e fora dele, como em Paris, por exemplo. Até junho deste ano, aliás, seu trabalho está exposto no Auckland Museum, na Nova Zelândia.
Muitos de seus murais estão em fachadas de prédios. E fazer arte em edifícios altíssimos é bem diferente do que pintar sobre uma tela. Exige subir escadas enormes, escalar andaimes e pendurar-se em um balanço. Sim, é preciso ter muito preparo físico para fazer esse tipo de arte urbana. Daí que passa pela cabeça de muita gente que só artistas magros poderiam aguentar. Dona de um corpo que não se encaixa nesse padrão, Priscila nunca se intimidou.
“As pessoas pensam que um corpo gordo é incapaz de superar algumas coisas. Já eu penso que, se tem alguém fazendo isso, eu também posso”, diz ela. “Para qualquer um, independentemente do peso, criar grandes murais exige condicionamento físico. Não é só ir lá, pintar e pronto, acabou. Tem que ter que se preparar antes e precisa de um cuidado depois para que você consiga se manter ativo por mais tempo”, conta.
A paulistana é bastante segura em relação ao próprio corpo. Por isso, acredita que as pessoas do seu meio profissional não encontram muito espaço para lhe dirigirem comentários gordofóbicos, ao menos abertamente. “Nunca sofri um preconceito direto, acho que ele geralmente é mais velado”, reflete.
Um olhar de beleza através da arte
Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), a obesidade é um dos mais graves problemas de saúde que temos para enfrentar. Em 2025, a estimativa é de que 2,3 bilhões de adultos ao redor do mundo estejam acima do peso.
Quando indagada se sempre teve um corpo com um IMC mais elevado, Priscila lembra que, quando menina, já se sentia diferente, por ter uma estrutura grande e ser mais alta do que as colegas.
“Hoje, olho fotografias de quando era bem mais nova e enxergo uma garota magra, embora eu me considerasse uma menina gorda. E as pessoas ao meu redor também me considerassem gorda, né? Então, acredito que ,sim, eu sempre tive um corpo fora dos padrões que esperavam dele”, nota.
Ela conta que escolheu retratar a diversidade de formas, nítida nas figuras femininas às quais dá vida com pinceladas e tinta, porque vê importância na questão da representatividade.
“As mulheres me dizem que, nas minhas pinturas, sentem que existe um olhar poético para o corpo delas”, relata. ”Corpo que geralmente é visto como algo digno de nojo por algumas pessoas, o que é um absurdo. Então, quando essas mulheres percebem que podem ser vistas de uma maneira bonita, essa é a melhor parte do meu trabalho”, afirma.
“Eu me adequar a um padrão? Acho que não.”
Ainda existe estigma em relação à obesidade, a artista sente ela própria. “Mas hoje a minha relação com o meu corpo é muito boa. Gosto bastante dele, inclusive. Aprendi acima de tudo a me cuidar, a fazer bem para ele”, explica.
Priscila admite que existem fases da vida em que ela, como quase todo mundo, negligencia esse cuidado por colocar outras prioridades. “Mas já entendi como o meu organismo reage e do que ele depende para funcionar da melhor maneira possível”, explica.
Ela pensa que não precisa perder peso porque está bem. “Sou vegetariana, o que é uma escolha política, mas também uma opção por aquilo que acredito ser melhor para manter o meu corpo ativo”, diz. E completa: “Na vida, você se nutre de diversos prazeres: sair, dançar, caminhar, visitar lugares. Sou uma pessoa ativa física e mentalmente. E também feliz por ter um corpo, acima de tudo, saudável.”