13 de março de 2023
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PEDRO CAMARGO E BRUNO HALPERN: quem tem obesidade precisa se enxergar na moda

Publicamos o perfil da modelo curve Dimila Mothé e, para ampliar ainda mais a visão da obesidade no cenário da moda, convidamos uma pessoa do setor para contar a sua perspectiva — no caso, o jornalista Pedro Camargo, editor da ELLE Brasil, uma das mais consagradas grifes da mídia fashion. 

O texto traz ainda o comentário do endocrinologista Bruno Halpern, presidente da Abeso, para a série “Um outro olhar para a obesidade”, que faz parte da campanha criada ao lado da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia) e da World Obesity Federation.

Pedro Camargo, nosso entrevistado, é também uma pessoa acima daquele peso que seu universo sempre apontou como ideal.

Produz conteúdos de moda e beleza desde muito jovem e, em 2014, passou a fazer parte da equipe da ELLE Brasil como estagiário de reportagem. 

Hoje, como editor, seu nome é logo associado à marca que ele ajudou a transformar, reconhecida pelo pioneirismo ao assumir um posicionamento muito mais inclusivo. Leia nosso bate-papo com o jornalista da ELLE Brasil a seguir.

Abeso Por que as revistas de moda historicamente optaram por promover corpos magros?

Pedro Camargo Uma explicação que é sempre discutida entre pessoas da área é a existência de uma forte herança francesa no culto à magreza dentro da moda. Nesse campo, a França venceu a guerra do colonialismo cultural. Convenceu o mundo inteiro de que Paris era a capital da moda e que, portanto, ditaria o que seria e o que não seria belo. E os corpos magros de muitas parisienses se transformariam, então, na representação da beleza em todos os cantos.

As primeiras revistas de moda — muitas delas, francesas também — carregam esse conceito em sua origem. Além disso, não podemos nos esquecer que o objetivo dessas publicações era trazer em suas páginas um sonho quase inatingível. A mídia fashion surgiu com essa vocação de criar ideais, o que na sociedade pode ser um efeito muito maligno. 

Abeso Então, a moda dos tempos modernos foi pensada para corpos magros…

Pedro Camargo Eu diria que, aí, o conceito de uma moda democrática se torna paradoxal. Porque as páginas dos editoriais de moda que levariam a pessoa a sonhar colocam, ao mesmo tempo, um limite em seu direito a ter sonhos. Se você é uma mulher gorda, por exemplo, dificilmente irá se imaginar no contexto de uma revista de moda, já que ali só se vê — ou só se via — gente magra. O que a ELLE Brasil e outras publicações  estão procurando fazer é abraçar o desafio de mostrar que o direito a sonhar é de todos. Portanto, todo mundo precisa, de alguma maneira, se ver em suas matérias.

Abeso No caso da ELLE Brasil, que você conhece bem, quando a marca começou a mudar nesse sentido?

Pedro Camargo Nossa grande virada começou em abril de 2015, quando a ELLE brasileira lançou uma capa que era, na verdade, um espelho. Ou seja, cada uma das nossas leitoras poderia se enxergar nela.

Parece pouco tempo, mas é bom lembrar que na época o assunto da aceitação de diversos corpos ainda estava muito incipiente e a ELLE abriu essa e outras discussões fundamentais. Aliás, nossa guinada não soou fajuta porque não esperamos esse tema virar centro de debates e a opinião pública apoiar essa nova postura. Na verdade, foi um desejo natural e legítimo, já que na redação existiam muitos profissionais comprometidos em fazer uma revista de moda questionando os padrões de beleza.

Abeso E você, pessoalmente, já se sentiu deslocado por causa do padrão de beleza imposto pela indústria?

Pedro Camargo   Sou de uma cidade pequena do interior, onde passei a vida inteira sendo chamado de gordo. Ainda mais por ser um homem homossexual, vivenciei preconceitos que me afetaram de várias maneiras. Meu valor como pessoa foi colocado em xeque, assim como a minha imagem.

Mas no meu caso, em vez de ser excludente, a moda se tornou o escape de um ambiente opressor. Ver outros homens afeminados, por assim dizer, sendo felizes e brilhando no cenário da moda fez com que isso passasse a ser a coisa mais importante da minha vida. Afinal, era um universo onde um homossexual, como eu, encontrava representatividade. Por outro lado, não havia pessoas com o meu corpo. Ao contrário, havia pressão estética e gordofobia, fazendo você acreditar que suas formas transitórias, que você ainda pode emagrecer para caber no padrão.

Abeso As dicas de moda das revistas femininas, aliás, eram bastante gordofóbicas até alguns anos atrás. Como você acha que é isso hoje?

Pedro Camargo Era uma coisa horrorosa ensinar mulheres gordas a esconderem os seus corpos. E o que me deixa muito triste é constatar que antigamente as revistas tinham uma legitimidade enorme  para o seu público, algo que já não temos tanto hoje em dia, justamente no momento em que estamos criando conteúdos tão legais e diversos. 

Como revista — e como sociedade, por que não? — , começamos a entender que o corpo gordo pode ser mostrado à vontade. E — atenção! — pode não ser exibido também, caso a pessoa não queira. Com a internet e um movimento de amor próprio forte, há também um discurso de que toda pessoa com obesidade precisa se sentir sexy, usar biquíni ou sunga. Mas, dependendo do momento de cada um, não é bem assim. Tem que fazer sentido para aquele indivíduo. Não podemos trocar uma imposição por outra.

Abeso De tudo o que você participou em ELLE Brasil, tem algum conteúdo que foi mais marcante, ajudando a mudar essa mentalidade?

Pedro Camargo   Sim. Eu diria que foi um projeto chamado “Vamos pensar sobre beleza”, no qual questionávamos personalidades famosas sobre sua relação com imagem, autoestima e corpo. Tivemos uma edição digital de ELLE Brasil inteiramente dedicada a isso e quem estampou a capa foi a MC Carol. Foi incrível ver uma mulher preta e gorda em lugar de destaque na edição exclusiva sobre um assunto do qual ela não faria parte segundo a lógica hegemônica, racista e gordofóbica.

O OLHAR DE BRUNO HALPERN SOBRE O TEMA

“Às vezes, existe uma confusão: alguns consideram que, quando uma modelo plus size ou alguém com um pouco mais de peso aparece em uma capa de revista, isso seria uma espécie de glorificação da obesidade. E uma coisa não tem nada a ver com a outra. 

Devemos lembrar que pessoas com obesidade — não importa se elas precisam emagrecer ou não, nem se elas querem emagrecer ou não — se vestem. E têm todo o direito de encontrar roupas que considerem bonitas e que estejam dentro de uma tendência de moda. 

Se o mundo da moda foca única e exclusivamente em pessoas magras, ele está marginalizando 20% da população do país. Ou 50%, se pensarmos nos brasileiros com sobrepeso.

Portanto, modelos que representem esse público em capas de revista e campanhas é o que a gente espera e considera natural.

Isso não é negar que algumas pessoas com obesidade precisam emagrecer por razões de saúde. Ao contrário, encontrar quem tem obesidade nos editoriais de moda e beleza é coerente com o conceito de que o objetivo do tratamento não é normalizar o IMC e, sim, ter uma vida mais saudável. 

Alguns poderão fazer o tratamento, ter resultados muito bons e, ainda assim, estar na faixa obesidade.  Se a moda afasta esses indivíduos — ou mesmo aqueles que simplesmente não querem emagrecer —, ela acaba piorando o preconceito e atrapalhando justamente a saúde de todos.

Aliás, a hipervalorização da magreza pode levar ao adoecimento de pessoas com qualquer peso. Não apenas pelo risco de transtornos alimentares. Sempre repito que precisamos tomar cuidado para não fazermos coisas pouco saudáveis para parecermos “mais saudáveis” — como seguir dietas malucas ou usar remédios para perder poucos quilos, sem haver nenhum problema de saúde por causa deles.

Não podemos confundir o que é tratar a obesidade e o que é desejo social de emagrecer, algo completamente diferente.”

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