09 de agosto de 2021
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Você prefere salada ou pizza? Por que comidas saudáveis não são apetitosas?

Todo mundo sabe da importância de se comer alimentos saudáveis. Mesmo assim, ao fim de mais um dia de trabalho, é bastante incomum encontrar quem chegue em casa desesperado por um prato de brócolis. Ou, no almoço de domingo em família, escolher servir apenas uma salada com suco verde enquanto conversam sobre as novidades daquela tia distante. Não, caro leitor, você não está sozinho nesse dilema: quando estamos com fome, não desejamos legumes salteados no azeite ou folhas bem temperadas com limão e ervas, mas sim pizza, macarronada, hambúrguer, bolo de chocolate, sorvete.

Biologicamente falando, há uma lógica por trás disso. “Nossa espécie sobreviveu buscando aproveitar as oportunidades de ingerir muitas calorias em tempos de escassez”, explica Clarissa Hiwatashi Fujiwara, nutricionista, membro do Departamento de Nutrição da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica). “No processo evolutivo, aquele que conseguia comer mais sem grandes esforços era o vencedor”, afirma.

Essa mensagem acabou ficando gravada em nosso DNA e em parte explica por que estamos mais propensos a procurar esses alimentos. Mas não é só isso. “Muitas verduras e legumes apresentam substâncias que remetem ao sabor azedo ou amargo”, afirma a nutricionista Regina Coeli da Silva Vieira, professora adjunta do curso de nutrição da UFAM (Universidade Federal do Amazonas). “Evolutivamente, é provável que a baixa palatabilidade para esses alimentos venha da maior probabilidade de se associar esses sabores com algum potencial tóxico, o que pode ocorrer na natureza”, explica.

Alimentos hiperpalatáveis mexem com nosso cérebro

Quando falamos em comidas que não são saudáveis, elas geralmente seguem um padrão mais ou menos comum: são ricas em gorduras, sal, sódio, açúcar e/ou carboidratos simples, além de outros aditivos que realçam o sabor (quando falamos de opções processadas e industrializados). Esses alimentos são o que os nutricionistas chamam de hiperpalatáveis, ou seja, são fáceis de serem consumidos e caem nas graças do paladar da maioria das pessoas por serem mais saborosos.

No caso do doce, particularmente, há uma outra explicação biológica pelo seu sucesso. “Nós somos inclinados a aceitar melhor o sabor adocicado pois é a característica predominante do leite materno”, explica a nutricionista Angélica Grecco, nutricionista do Instituto EndoVitta, em São Paulo. Ponto novamente para a evolução, que nos faz aceitar um alimento completo e bastante nutritivo enquanto ainda somos bebês e dependentes.

Mas os alimentos hiperpalatáveis mexem diretamente com a área do nosso cérebro responsável pelo sistema de recompensa. Quando uma comida gostosa é consumida, há liberação de dopamina, um neurotransmissor responsável pela sensação de prazer e gratificação no cérebro.

De acordo com Fujiwara, esse processo pode ser dividido em três etapas: a antecipação do prazer que vem só de imaginar o alimento (chamada de “liking”); a procura ativa pelo alimento proporcionada por uma motivação, como um estímulo visual ou olfativo (“wanting”); por fim, o aprendizado ou registro de experiências positivas ou negativas com o alimento (chamada de “learning”).

Ou seja, quando você come algo que oferece prazer além de saciar a fome física, o cérebro registra essa experiência como positiva e vai incentivar você a buscar novamente essa experiência —especialmente nos dias em que estiver mais cansado ou estressado e necessite de um conforto rápido.

“Nós buscamos alimentos não só pela fome como também porque eles são gostosos. E, de fato, há um registro forte no sistema de recompensa para alimentos mais calóricos, já que eles são mais satisfatórios ao paladar”. Clarissa Hiwatashi Fujiwara, nutricionista, membro do Departamento de Nutrição da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica)

Relação com a comida também é afetiva

Mas nem só de biologia vive o nosso apetite. O ato de se alimentar pode ser dividido em dois tipos: a regulação fisiológica, aquela em que sentimos a fome física e precisamos do alimento para nos nutrir e nos manter vivos; e a regulação hedônica do apetite, aquela que está ligada às vias de prazer, de se alimentar como forma de alcançar uma experiência positiva —e não necessariamente por estar com o estômago vazio.

“Isso significa que a nossa relação com a comida vai além da ingestão de calorias e nutrientes”, afirma Graziela Dassoler, psicóloga clínica do Programa de Transtornos Alimentares do IPq (Instituto de Psiquiatria) do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). “Ela também é afetiva, emocional”, diz.

Segundo ela, por causa disso, é comum buscarmos conforto na comida quando estamos diante de emoções difíceis como cansaço, tristeza, estresse, mas também sentimentos com os quais não sabemos ou não podemos lidar no momento, como sono ou tédio. “A comida, nesse caso, vai aliviar o incômodo de forma rápida”, explica.

E por que não afogar as mágoas em um copo de suco de couve? Além de não serem hiperpalatáveis, alimentos como a couve não estão na “lista vermelha” do que é considerado saudável. Ou seja, eles não são “proibidos” e, por isso, não têm status de uma recompensa.

Para entender melhor, basta pensar que, quando reivindicamos o “eu mereço”, estamos em busca de alimentos que sabemos que não podemos comer todos os dias. “Essa restrição pode gerar uma obsessão e aumentar o desejo pelo item apenas porque sabemos que ele não é permitido”, explica a psicóloga.

É por isso que crianças não devem ser incentivadas a ganhar sobremesa apenas se limparem o prato. “Colocar a sobremesa como uma recompensa é elevar sua importância, reforçando esse comportamento de que doces, por exemplo, são um prêmio por algo”, diz a especialista.

É na infância, aliás, que muitos hábitos alimentares são formados. A exposição a alimentos ultraprocessados nessa fase pode até contribuir para a formação de um paladar que só aceite itens hiperpalatáveis. “Experiências de vida, como ganhar chocolate como símbolo de amor, ou uma bala porque estamos doentes, também ajudam a moldar a nossa relação com a comida”, avalia a psicóloga.

Redefinindo o “comer saudável”

A dificuldade em ver sabor nos alimentos considerados saudáveis tem também um quê de preconceito. E não é à toa: por muitos anos, a ideia de dieta ficou ligada à restrição alimentar, pratos sem sabor e receitas repetitivas (já que a lista de alimentos permitidos era limitada). “Formou-se a ideia de que comer saudável é um sofrimento, uma punição por ter saído da linha e comido coisas calóricas”, afirma Fujiwara. “E isso, obviamente, desmotiva qualquer um”, diz.

Junto a isso, outra característica comumente associada aos alimentos saudáveis é que eles devem ser pouco calóricos. E não é bem assim: a menos que exista uma condição médica, o recomendado pelos especialistas é que a alimentação seja feita com comida de verdade, ou seja, aquela com ingredientes de qualidade, preparada em casa e sem ultraprocessados.

Assim, uma macarronada feita com tomates frescos, por exemplo, se encaixa nessa categoria, assim como um hambúrguer caseiro preparado em casa, sem aditivos químicos. E até uma salada pode ficar mais apetitosa se for preparada de forma diferente, com mais atenção à apresentação. “Variar as formas de preparo e cuidar da forma como apresentamos o prato vai, aos poucos, mudando nossos conceitos”, acredita Grecco.

Quando se torna um problema?

Algumas pessoas apresentam dificuldade em comer de forma variada e acabam aceitando apenas alguns alimentos —geralmente os mais palatáveis. Essa restrição severa pode se encaixar no chamado Tare (Transtorno Alimentar Restritivo Evitativo).

O quadro ocorre quando a seletividade alimentar, caracterizada pela rejeição a diversos tipos de alimentos, acarreta problemas nutricionais e até psicológicos para a pessoa. Nesses casos, o indivíduo precisa de tratamento, que pode incluir, em alguns casos, medicação.

Já quem tem o hábito de comer de forma transtornada —lidando com emoções desafiadoras por meio da comida — pode sofrer de compulsão alimentar. O transtorno psiquiátrico provoca um descontrole no indivíduo, que acaba ingerindo grandes quantidades de caloria de uma só vez e provocando sentimentos de culpa e muito sofrimento.

Em casos assim, é importante buscar ajuda médica, o que inclui medicação (quando o transtorno está associado a outras doenças, como depressão e ansiedade), psicoterapia comportamental e ainda o acompanhamento nutricional.Link da matéria do Portal do UOL/VivaBem: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2021/08/09/por-que-comidas-consideradas-saudaveis-nao-sao-tao-gostosas.htm

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