Imagine ser rotulado no trabalho, na escola, nos serviços médicos e na comunidade em geral. Para além dos riscos de ter uma doença crônica, pessoas com obesidade lidam com essa questão, que já foi definida pela literatura médica como estigma do peso. Entre alguns desses indivíduos, os prejuízos físicos e psicológicos são tantos, que eles acabam não recebendo tratamento adequado. Conhecer o que se sabe atualmente sobre essa enfermidade pode mudar isso.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) define a obesidade como o acúmulo de gordura no corpo capaz de fazer mal à saúde. A doença é considerada pandêmica, crônica e complexa, e se classifica em 2º lugar entre as causas de morte que poderiam ser prevenidas, perdendo apenas para o tabagismo.
No Brasil, dados preliminares do Vigitel 2020 —estratégia do Ministério da Saúde que monitora fatores de risco e proteção para doenças crônicas— mostraram que 57,5% da população adulta está com excesso de peso, e 21,5% dela está com obesidade (era 19,8%, em 2019).
O problema acomete homens e mulheres igualmente, inclusive na infância e na juventude, mas na hora de procurar por ajuda médica o grupo feminino sai na frente. Como a obesidade pode levar a outras e variadas doenças, o ideal é agir rápido para iniciar o tratamento. Ele é sempre personalizado e se fundamenta em mudanças de hábitos de vida (dieta, exercícios físicos etc.), apoio psicológico, medicamentos e, em último caso, intervenção cirúrgica.
Por que isso acontece?
De acordo com José Ernesto dos Santos, professor da Divisão de Nutrologia do Departamento de Clínica Médica da FMRP-USP, a obesidade decorre de um estilo de vida no qual se ingere muito alimento para pouca atividade física.
Contudo, é preciso saber que esta enfermidade é multifatorial, e está relacionada aos seguintes fatores:
. Genética
. Ambiente
. Questões sociais
. Insônia
. Problemas endócrinos
. Uso de determinados medicamentos (como antidepressivos, corticoides)
. Acesso e consumo de alimentos ultraprocessados e ricos em açúcar
. Excesso de bebidas alcoólicas
O nutrólogo acrescenta que o estilo de vida moderno está fazendo com que as pessoas percam a capacidade de entender a diferença entre o que é sentir fome e o que é estar saciado. “Isso porque não dedicam tempo às refeições. Todos os dias elas são feitas diante da TV, do computador ou com o olho no celular. O grande desafio é mudar esse comportamento alimentar”, diz.
Saiba reconhecer sintomas e problemas associados
Para além dos quilos a mais na balança e as roupas apertadas, outras manifestações podem indicar que a obesidade já se instalou.
Veja, a seguir, as condições e sintomas a ela associados:
. Doenças cardiovasculares
. Aumento da gordura no sangue (dislipidemia)
. Diabetes (resistência à insulina)
. AVC (Acidente Vascular Cerebral)
. Cálculos (pedras) na vesícula
. Gordura no fígado
. Apneia do sono
. Alterações respiratórias
. Dores lombares
. Dores articulares (dor no joelho)
. Cansaço
. Falta de condicionamento físico
. Refluxo gastroesofágico
. Problemas psicológicos
. Doença nos rins
. Diabetes gestacional ou pré-eclampsia (em grávidas)
Quem precisa ficar mais atento?
A obesidade pode acometer homens e mulheres em qualquer idade, mas também jovens e crianças.
O que os médicos têm visto na prática é que fatores chamados de precipitantes, como a pandemia da covid-19, promoveu o aumento da doença na população em geral, inclusive na pediátrica.
Quando é a hora de procurar ajuda médica?
Como a obesidade é multifatorial, existe uma gama muito grande de situações que levam ao aumento de peso, e isso inclui o excesso de gordura desde a infância, famílias inteiras com o problema, eventos traumáticos como o luto, e mesmo o ganho de peso gradual ao longo dos anos —que pode chegar até a 20 kg— mas que não é percebido porque acontece de forma lenta. A explicação é de Ana Flávia Torquato, endocrinologista do Ambulatório de Obesidade do Hospital Universitário Walter Cantídio da UFC.
A médica acrescenta que as pessoas demoram muito para procurar o tratamento porque acham que podem resolver a questão sozinhas. Soma-se a isso a falta de entendimento de que a obesidade é uma doença crônica e não uma situação transitória que depende de boa vontade.
“Seja pelo preconceito ou pelo estigma, seja pela falta de acesso [médicos e medicações], esse tempo de espera é, em média, de 6 anos, o que é muito demorado”, completa Torquato.
A hora certa de marcar uma consulta é aquela na qual se observa o maior consumo de alimentos, a falta de controle sobre isso, e o consequente ganho peso. A medida ainda deve ser mais urgente quando se verifica o aumento da gordura abdominal, que está associada a alterações metabólicas da obesidade [diabetes, pré-diabetes, colesterol alto e hipertensão]. Por vezes, o peso nem está tão alto na balança, mas há uma tendência de acúmulo da gordura naquela região do corpo, o que não deve ser desprezado.
Para fazer uma avaliação, você pode consultar um clínico geral, um endocrinologista ou um nutrólogo.
Como é feito o diagnóstico?
Na hora da consulta, o médico vai ouvir sua queixa, levantar seu histórico de saúde familiar e pessoal para conhecer seus hábitos de vida [dieta e prática de atividade física]. Ele ainda buscará identificar possíveis fatores desencadeantes do problema, como o uso de determinados medicamentos.
A partir daí, passará a fazer o que os especialistas chamam de “interrogatório sistemático”, ou seja, serão avaliados os sistemas [respiratório, cardiovascular, metabólico] do organismo para verificar se o aumento de peso já está causando danos à sua saúde.
Os especialistas podem ainda medir a circunferência do pescoço (cintura cervival), que prediz complicações metabólicas ou apneia do sono, assim como a do abdome, para avaliar o grau de gordura local.
Alguns exames laboratoriais serão solicitados, como os de sangue (colesterol, glicemia, gordura do fígado, por exemplo). A polissonografia e o ultrassom abdominal também podem ser úteis. Embora não seja mandatório, pode ainda ser solicitado o exame de composição corporal (bioimpedância).
O IMC (Índice de Massa Corporal) também ajuda no diagnóstico?
Ele é definido como o resultado de uma conta que avalia a relação entre o peso e a altura de uma pessoa. Embora seja muito utilizado, ele também é criticado porque não diferencia o que é massa gorda ou magra, o que pode levar a distorções. Por exemplo, uma pessoa pode ter IMC elevado, o que se deve à sua massa muscular.
Como a definição de obesidade é o excesso de gordura no corpo, os médicos têm de lançar mão de outros métodos para avaliar a composição corporal, que pode ser o IMC, mas também outras técnicas. Apesar disso, essa técnica é um meio de mostrar ao paciente o seu grau de excesso de peso. A depender do resultado, esse quadro será mais ou menos grave.
Entenda as etapas do tratamento
O objetivo dele não é a estética, mas a melhora da saúde com a reversão ou controle das comorbidades associadas à obesidade. Além disso, busca-se a melhora da qualidade de vida para que a pessoa alcance o bem-estar físico, mental e social. Esta é a razão pela qual o apoio de uma equipe multidisciplinar é considerado ideal.
As estratégias terapêuticas hoje à disposição devem ser aplicadas de modo escalonado, isto é, começam a partir de mudanças no estilo de vida, e vão avançando conforme as respostas ou gravidade do quadro. A terapia leva tempo, requer compromisso e monitoramento constante. Confira:
. Mudanças do estilo de vida: adoção de dieta variada, saudável e hipocalórica, exercícios físicos;
. Medidas de higiene do sono;
. Tratamento de condições psiquiátricas (depressão, ansiedade) e terapia cognitivo comportamental;
. Medicamentos para redução do apetite.
Para pessoas com obesidade mais significativa, que desenvolveram comorbidades e não conseguiram perder peso com o tratamento clínico acima descrito, a solução terapêutica é a cirurgia bariátrica.
Quais são as possíveis complicações?
A obesidade é a 2ª maior causa de óbitos que poderiam ser prevenidos, e pessoas com obesidade têm maior risco de ter problemas cardiovasculares como o AVC, situação que piora ainda mais a depender de fatores como a idade, quantidade da gordura abdominal, gravidade da doença ou comorbidades. Além disso, essa enfermidade pode reduzir a expectativa de vida de 3 a 10 anos.
A endocrinologista Cintia Cercato, presidente da Abeso e médica da SBEM-SP, acrescenta a essa lista doenças mais sérias associadas à obesidade, e que nem sempre são do conhecimento da população: alguns tipos de câncer, como o de útero e fígado.
“Mais recentemente temos observado também a relação com a imunidade. Pessoas com obesidade têm mais infecções urinárias e respiratórias, mais pneumonia, mais gripes graves [como a H1N1] e covid . Elas são mais vulneráveis não só a doenças crônicas, mas também às agudas”, conclui.
Fontes: Ana Flávia Torquato, médica endocrinologista do Ambulatório de Obesidade do Hospital Universitário Walter Cantídio da UFC (Universidade Federal do Ceará), que integra a rede Ebserh; Cintia Cercato, médica endocrinologista da SBEM-SP (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo); José Ernesto dos Santos, professor da Divisão de Nutrologia do Departamento de Clínica Médica da FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo) e professor da Universidade Estácio, de Ribeirão Preto (SP). Revisão médica: José Ernesto dos Santos.
Referências: Ministério da Saúde – Vigitel (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico); OMS (Organização Mundial da Saúde); Panuganti KK, Nguyen M, Kshirsagar RK. Obesity. [Atualizado em 2021 Aug 11]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2021 Jan-. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK459357/; Rubino, F., Puhl, R.M., Cummings, D.E. et al. Joint international consensus statement for ending stigma of obesity. Nat Med 26, 485-497 (2020). https://doi.org/10.1038/s41591-020-0803-x.
Link da matéria do Portal VivaBem/UOL: https://www.uol.com.br/vivabem/doencas-de-a-z/obesidade-eleva-risco-para-outras-doencas-cronicas-e-agudas-e-reduz-a-vida-de-3-a-10-anos.htm