17 de março de 2023
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ERICK CUZZIOL: “Fiz Nutrição porque não conseguia manter as dietas que me passavam”

Na área da Saúde, não há nenhuma norma implícita dizendo que, por exemplo, um dentista deva ter os dentes brancos e perfeitamente alinhados. Ou que um dermatologista não possa exibir uma mancha, nem sequer uma ruga no rosto. E por que o estranhamento quando nos deparamos com um “nutricionista gordo”?

É assim que se define, em seu perfil no Instagram, Erick Cuzziol Lima Luiz: “um nutricionista de Itanhaém, no litoral paulista, e gordo. E que fala sobre saúde em todos os tamanhos.”  Ele conta que começou a engordar aos 7 anos e, mesmo perdendo peso com dietas malucas, nunca chegou a ter um corpo “aceitável” conforme os padrões da sociedade.

 “A princípio, era fofinho, só que conforme foi aumentando [o peso], as pessoas começaram a ser mais agressivas: ‘está engordando demais, vai ficar feio, não vai ter namorada’. Eu sofria pequenas agressões no dia a dia, a ponto de, inclusive, desconhecidos apertarem o meu peito na rua”, relembra.

A Nutrição: um caminho não tão simples

Vivências dolorosas acabaram inspirando a carreira.  “Não conseguia manter as dietas que me passavam, então eu queria saber tudo o que era possível fazer e assim, talvez, descobrir definitivamente um caminho”, explica Erick.

De acordo com o Atlas Mundial da Obesidade 2022 da WOF (World Obesity Federation)parceira da Abeso e da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia) na campanha “Um Outro Jeito de Olhar”—, em 2030 o Brasil terá quase 30% da população adulta na mesma situação de Erick.

Apesar de seus professores não tolerarem preconceito a respeito de obesidade e, segundo ele, abordarem esse tema nas aulas com a complexidade necessária — e isso ainda no começo dos anos 2000! —, Erick não escapou de episódios constrangedores no período da graduação.

Certa vez, quando fazia estágio no hospital escola da faculdade, uma das coordenadoras se descontrolou e gritou que era um absurdo a sua presença ali, “um futuro nutricionista gordo”, bradando que isso mancharia  a reputação da instituição.  Ele, então, conversou com a reitoria e a tal professora foi obrigada a se desculpar.

Identificação e empatia

No mesmo hospital escola, certa vez Erick atendeu uma paciente que ficou abalada ao ser atendida por… um nutricionista gordo! “Ela dizia que eu era nitidamente incompetente: se não conseguia eu mesmo emagrecer, como iria ajudá-la a perder peso?”.

Ao ser informada da cena, sua orientadora ficou bastante nervosa e foi conversar com a mulher, que também acabou se desculpando. “Um tempo depois, essa paciente chegou a declarar que fazia diferença estar sendo cuidada  por alguém que entendia as dificuldades e o sofrimento de quem passa pelo tratamento da obesidade”, conta o nutricionista. “Para ela, isso ajudava a manter a motivação.”

Foi a primeira vez que ouviu esse ponto de vista — mas não a única. Hoje, muitos pacientes procuram Erick justamente por ele ser um nutricionista com obesidade. Alegam que se sentem mais seguros sabendo que não serão atacados, ofendidos, nem acusados de mentirosos. Serão compreendidos quando contarem que o enfrentamento da obesidade não é nada fácil, não é simplesmente questão de ter força de vontade.

Autoestima e saúde

Há algum tempo, Erick fez uma cirurgia bariátrica e ficou com bastante flacidez na pele, algo absolutamente esperado após um processo de grande perda de peso. Por isso, para ele  a aceitação do próprio corpo continua sendo um aprendizado diário.

“Mesmo se quem tem obesidade emagrece, surgem outras questões. Há dias em que é difícil se ver no espelho e se sentir seguro caso tenha de ficar pelado na frente de outra pessoa”, relata, com sinceridade. “Mas sempre que vem uma angústia dessas, essa insatisfação, tento pensar no meu corpo de uma forma mais carinhosa e saudável.” É esse aprendizado que tenta passar adiante, além de todo o seu conhecimento sobre comportamento alimentar, conquistado na pós-graduação.

Na opinião do nutricionista, pouco se toca em assuntos relacionados à sensualidade ou até mesmo à sexualidade quando se tratam de corpos com obesidade. “Será que é muito errado alguém desejar um corpo que ‘está doente, que é feio, que é nojento’? Esses termos estigmatizantes são repetidos,  sim, mas ninguém gosta de assumir essa fala.  E tudo isso impacta demais na nossa vida”, desabafa. 

Erick reforça que existem corpos de muitas formas e todas elas podem ser bonitas e saudáveis. “Acontece que, infelizmente, o que é apontando como o padrão de um corpo bonito é também vendido como conceito de um corpo saudável. Só que, aí, pode existir um engano. De um lado, muitas vezes o que a gente imagina ser ‘saúde’ é o acúmulo de um monte de procedimentos estéticos, por exemplo. E, de outro, precisamos ensinar às pessoas com obesidade que o corpo delas pode estar saudável. O que elas precisam, como todo mundo, é trabalhar para prevenir danos à saúde.”

“O dia da minha independência”

É a brincadeira que Erick faz com a data em que lançou o seu perfil no Instagram, @nutricionistagordo:no feriado de 7 de setembro. O ano era 2017. Queria falar sobre nutrição, obesidade, mitos e, em suas palavras, “como dá para ser um profissional de saúde acolhedor”. Hoje, ele tem mais de 30 mil seguidores.

A decisão de virar um produtor de conteúdo veio ao navegar na rede social e encontrar uma publicação divulgando um estudo científico, de acordo com ele, bastante fraco. A conclusão do trabalho era de que metabolismo lento não existia e que isso deixaria de ser desculpa para pessoas com obesidade não emagrecerem.

Nesse exato momento, ele garante, pediu desculpa a si mesmo por tudo de ruim e perigoso que já tinha feito para emagrecer, contando que chegou a desenvolver um princípio de anorexia na adolescência.

“Todas as vezes em que disse: ‘não aguento, não consigo’, era rechaçado, ouvia que tinha que me esforçar mais, que era um acomodado, que estava mentindo”, diz. “Por isso, naquele dia eu sinceramente falei para o meu corpo:’desculpa por eu ter lhe machucado, ter feito tanto mal a você’. E na sequência pensei: quer saber? Sou gordo, provavelmente vou continuar sendo gordo.  Mas quero ser um gordo que se exercita, que come de maneira equilibrada, que trabalha com propósito. Quero ser ‘o nutricionista gordo’!”

Erick acredita que ter se aceitado fez com que enxergasse verdadeiramente a sua condição de pessoa com obesidade e isso, por sua vez, o torna um profissional da área de Nutrição cada vez melhor. 

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